"O Punk se tornou ferramenta de marketing para vender algo que você não precisa. A ilusão de uma escolha alternativa. Conformidade em outro uniforme." - Joe Corré
Joe Corré queima a camiseta "God Save the Queen", criação de seus pais na década de 1970. |
Como já havíamos noticiado aqui no blog no começo do ano, Joe Corré, filho de Vivienne Westwood e Malcolm McLaren anunciou que queimaria a memorabilia punk herdada de seus pais, que chega ao valor de pelo menos 5 milhões de libras.
O motivo?
A cooptação da subcultura punk pelo mainstream.
Durante todo o ano de 2016 comemorou-se os 40 anos da subcultura Punk. Dentre estas comemorações o "Punk London" foi cheio de exposições, debates e palestras em museus, na British Library e no British Film Institute. Tudo aprovado e abençoado por ela, a "God Save the Queen", Rainha Elizabeth II.
"A rainha ter dado a bênção aos 40 anos do Punk foi a coisa mais assustadora que ouvi. É a apropriação da cultura punk e alternativa pelo mainstream... Ao invés de um movimento por mudanças, o punk se tornou uma peça de museu ou de atos de tributo. O punk nunca, nunca significou ser nostálgico - e hoje você pode aprender como ser punk num workshop no Museu de Londres." - Joe Corré
Neste sábado 26 de novembro (data do aniversário de 40 anos da subcultura na Inglaterra), Corré queimou sua memorabilia num barco no rio Tâmisa acompanhado de sua mãe Vivienne Westwood. Em terra, houve protestos de punks querendo sabotar o ato que foi transmitido por live streaming.
Além de simbolizar revolta com a apropriação da cena musical pelo mainstream, bonecos de políticos ingleses como David Cameron, Theresa May e George Osborne foram queimados vestindo as roupas históricas dos primórdios da moda punk, junto com pôsteres, álbuns, cartazes e outras peças de época.
Na faixa vermelha, corporações como Monsanto, Bayer e McDonalds são criticadas. |
A hipocrisia está no centro desse ato de Joe Corré. Ele disse que nos últimos 40 anos houve um sequestro da anarquia no Reino Unido. Corré pediu aos que assistiam ao espetáculo para confrontar tabus e não tolerar hipocrisias ao mesmo tempo em que ele e sua mãe alertavam sobre os perigos de uma mudança climática. Sempre engajados em causas sociais e políticas, mãe e filho aproveitaram para colocar o lado ativista em prática pedindo que as pessoas adotem energia verde, que seria o primeiro passo para um mundo livre e "a coisa mais importante que você poderia fazer em sua vida".
Dizeres no barco: "Extinção! Seu futuro"
"Londres está sendo socialmente limpa e transformada num parque temático para corporações, cadeias de lojas e especuladores que não pagam seus impostos. Algumas pessoas estão muito preocupadas com o preço desses artefatos, mas a conversa que precisamos ter é sobre valores. O Punk proporcionou uma oportunidade para que a geração dos anos 1970 criasse uma saída - não confiando na mídia, não confiando nos políticos, investigando a verdade por si mesmos - o "faça você mesmo". O punk está morto e é hora de pensar em outra coisa". - Joe Corré
Esta fala de Joe Corré sobre o Punk estar morto e ser a hora de pensar em outra coisa, se liga com a fala de Kathleen Hanna sobre o movimento Riot Grrrl. Ela também não curte a nostalgia sobre e alegou que ao invés de tentar reviver o movimento Riot era melhor a geração atual criar um novo movimento. Fica aí a reflexão sobre estarmos mesmo cooptados pelo mainstream, sobre deixarmos de questionar e simplesmente aceitar o status quo, e sobre não estarmos criando coisas novas, apenas relendo o passado.
Vivienne Westwood apoiou o ato do filho e convidou os presentes para enfrentar a hipocrisia da política e das grandes corporações. Pediu que todos se engajem em causas ambientais. Um "faça você mesmo" a mudança, chega de ficar à mercê dos poderoso$.
Durante o ano, tanto John Lydon quanto fãs de punk questionaram porque ao invés de queimar, Joe Corré não vendia as peças e doaria o dinheiro à caridade?
Corré respondeu dizendo que "quem irá comprar as peças?" - que por serem relíquias, são caras - "Elas vão parar na parede de algum banqueiro". Pelo valor, as peças não seriam compradas por punks reais e sim pela elite. Justamente a elite que explora o mundo.
Tudo isso está sendo documentado para um filme e segundo Corré, 80% dos fundos serão doados para causas ambientais e de mudança climáticas. Mas ele não queimou toda sua coleção, alguns itens de valor sentimental permaneceram, como as roupas que ele ajudou sua mãe a costurar quando ainda era um garotinho.
"O Punk tem sido castrado e neutralizado pelo setor corporativo e pelo Estado. Pendurado, esticado e esquartejado. Os jovens de hoje, jovens zangados, precisam de soluções reais, não do uniforme agora conformista, higienizado e esterilizado do punk. Não tem mais moeda. O Punk perdeu toda a sua mordida."- Joe Corré
Independente de ser contra ou a favor, algumas coisas são fato: a família continua com atitude punk. Continua questionando a forma que a sociedade funciona. Continua cutucando e abordando temas relevantes.
De alguma forma, Corré e Westwood mantém vivo o legado questionador dos primeiros punks. Talvez seja realmente a hora um engajamento em causas sociais que nos identificamos. A mudança pode vir de baixo, já que os de cima - políticos e grandes corporações - não vão eles mesmos acabar com o próprio poder.
De alguma forma, Corré e Westwood mantém vivo o legado questionador dos primeiros punks. Talvez seja realmente a hora um engajamento em causas sociais que nos identificamos. A mudança pode vir de baixo, já que os de cima - políticos e grandes corporações - não vão eles mesmos acabar com o próprio poder.
Punk realmente não é nostálgico, como abordei neste artigo, os jovens dos anos 70 ironizavam o passado e queriam viver de forma diferente de seus pais. Não usavam a moda, criavam uma anti-moda. Não ligavam para o conceito tradicional de beleza: as meninas cortavam cabelos curtos e faziam maquiagens chocantes. Os rapazes rasgavam roupas.
Punks desconstruíam conceitos. A queima desconstrói a importância histórica de um objeto, da roupa de museu; desconstrói o conceito de "relíquia", algo simbólico que deve ser salvo e guardado.
O ato foi provocativo.
Foi mais um capítulo digno de registro dos criadores da subcultura Punk na Inglaterra.
Foi mais um capítulo digno de registro dos criadores da subcultura Punk na Inglaterra.
Marketing ou não, eles aproveitaram para dar um alerta real sobre problemas ambientais que nossa geração enfrentará arduamente nas próximas décadas, enfrentaremos o caos se fecharmos os olhos.
O "no future" será nosso fardo se não mudarmos o presente.
O "no future" será nosso fardo se não mudarmos o presente.
E você, achou polêmico? É a favor, contra, tem questionamentos? Acha que o punk está morto? Acha que virou marketing e moda esvaziada de sentido? Opine à vontade!
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