Ao ser abordado o Consumo Consciente no blog, os questionamentos ficaram longe de terminar naquele post. Pelo contrário, de lá para cá, depois de diversas leituras e informações, notamos o quanto é preciso aprofundar ainda mais a pensata que parece ter caminhos intrigantes.
Começo dizendo que não sei se terei resposta para tudo, mas com certeza muitas interrogações. E a maior delas é: até que ponto podemos ser éticos e praticar nossas ideologias num sistema que possui escalas quase infindáveis? Caso queira entender melhor a indagação, recomendo a leitura "O verdadeiro retrato da moda nos dias atuais", escrita por Bruna Toledo, onde é relatado um lado obscuro do mercado que pouco se fala.
Outro dia encontrei uma renomada jornalista de moda que me perguntou se eu não observava o quanto estávamos andando mal vestidos (ou seja, usando roupas de má qualidade e fabricação). Respondi na hora que sim e o pior, pagávamos caro por isso. O encontro foi repentino e o papo não pode mais se estender, só que o tema não desapareceu da minha mente.
No Brasil, pagamos um valor elevado por roupas que nem sempre valem o preço final. E a indignação cresce ainda mais quando se tem noção de que parte desses produtos são feitos em série, algumas vezes confeccionadas em péssimas condições de trabalho, com exigências loucas de produção, pagamentos irrisórios, excesso de horário e outros absurdos. Lembrou de algo?
Mão de obra escrava
Taí um ponto que é de extrema importância. O país ainda não parou direito para debater o tema, estamos atrasados. O slow fashion é tratado aqui como algo novo enquanto no exterior já é uma realidade. E não é só no âmbito de consumir menos, mas também na valorização da feitura da peça, a forma como foi confeccionada e a história ou o simbolismo que há por trás dela. Não à toa, o brechó é o mercado da vez, nas grandes feiras internacionais os stands mais procurados são estes.
Quando tocamos no assunto, logo vem à mente os trabalhadores asiáticos ou até mesmo bolivianos que vivem clandestinamente no Brasil. Mas há uma realidade que pouco se dá ênfase e tem um nível de exploração semelhante: empregos análogos a de um escravo que se escondem em carteiras assinadas.
A profissão de costureira enfrenta escassez faz tempo. É uma das atividades que a indústria brasileira mais vem sentindo falta. Além da ausência de profissionais capacitados perante a demanda, é um trabalho que costuma oferecer má remuneração pela carga horária pesada e que nem sempre oferece crescimento profissional. Sem contar que, certas empresas, teimam em fugir das leis trabalhistas. Essa é uma realidade social séria e preocupante, pois se observarmos o perfil dominante do cargo, iremos encontrar na maior parte mulheres de baixa renda, muitas vezes nordestinas e negras.
O que nos diferencia dos países asiáticos é que aqui somos protegidos por severas leis trabalhistas. Surgindo denúncia, os envolvidos serão investigados e punidos. Nem toda a produção das grandes magazines vem de fora, podemos consumir o que é feito no Brasil e sendo clientes, exigir o combate de roupas confeccionadas a base de exploração. No caso de empresas estrangeiras como a Converse, ela possui 90% dos seus calçados produzidos aqui, mas se ainda lhe fere o fato da marca pertencer a Nike, você tem todo o direito de escolher se irá ou não adquirir peças.
"Se você não gosta de algo, mude.
Se você não consegue mudar, mude a sua atitude"
Maya Angelou
O Paradoxo das Fast Fashion
Outro assunto que queria falar mais sobre. A questão das fast fashion tem um efeito paradoxal. Há os graves problemas de mão de obra escrava e do exacerbado consumo de roupas descartadas no meio ambiente, porém é de se observar uma questão interessante no aspecto social.
O fato é que muitas marcas brasileiras não têm interesse em investir no público C, D e E. Tal conceito já é visto na formação acadêmica de moda. É impressionante como muitos alunos não querem criar coleções direcionadas a esses consumidores, da qual são maioria no país. Boa parte visa o mercado de luxo e esquece o resto da população.
Foi então que as magazines chegaram e se voltaram as classes ignoradas. Levaram moda, novas tendências para um público que não tinha acesso e nem fazia ideia quando iria ter. Suas lojas foram a bairros, municípios e cidades que muitas grifes brasileiras dificilmente terão filiais presentes. Tá certo que hoje em dia algumas lojas encareceram tanto que o perfil do público está quase mudando, mas ainda assim, conseguem atrair com as facilidades de pagamento.
Esse é um ponto que considero bem reflexivo, porque a moda pode servir tanto de exclusão como de inclusão social (a exemplo do projeto Jacaré é Moda), depende da forma como é projetada. Há muitas dúvidas sobre seus efeitos a longo prazo, mas o lance é que as fast fashion conseguiram quebrar o esteriótipo de que só ricos podiam consumir moda. De certo modo, eles deixaram o mercado mais democrático. Como concluiu a jornalista Maria Prata: "o mundo do "eu sei, você não sabe", "eu tenho, você não tem", nunca esteve tão em baixa".
Dentro da temática, introduz-se também o público alternativo. Dez anos atrás, era superdifícil encontrar peças do nosso estilo, porque o que tinha, além de custar caro (já que moda alternativa é um nicho), havia pouca variedade de modelos e tamanhos. Mesmo seguindo modismos, as fast fashion acabaram nos incluindo como consumidores, alcançando desde quem mora em metrópoles a cidades bem pequenas. É claro que como adeptos de subculturas, damos muito valor as lojas especializadas pois são marcas construídas por pessoas do meio, o problema é que elas ainda não conseguem estar presentes a todos os contextos sociais do país.
Tem coisas que incomodam no mercado. O mal uso que certas empresas têm feito do marketing é um deles. O método tem sido adotado de forma tão errada, que o recém lançado Manifesto Anti_Fashion de Li Edelkoort, aborda o acontecimento. Segue os dizeres de uma das maiores cool hunters do mundo sobre o tema: “Inicialmente inventado para ser uma ciência, misturando-se a previsão de talentos com os resultados de mercados para fixar estratégia no futuro, tornou-se progressivamente uma rede de tutores temerosos de marcas, escravos de instituições financeiras, reféns dos interesses dos acionistas, um grupo que há muito tempo perdeu autonomia para uma mudança direta".
A cada dia que passa, os consumidores adquirem informação e exigem das empresas mais ética na produção. Com a preocupação e o interesse por produtos fabricados com base em uma ideologia, muitas palavras ganharam enorme poder, a exemplo de: sustentabilidade, cruelty-free, tolerância às diferenças, feminismo...
O problema começou quando o mercado descobriu que pode transformar algo contra o sistema em vendas, ou seja, utilizando de causas para vender produtos que não seguem a filosofia proposta. Vale frisar que não são todas as marcas que adotam essa prática, há sim as que seguem fielmente os seus objetivos, inclusive algumas foram até criadas a partir de um conceito. Mas, infelizmente, existe as que estão estampando só mais uma palavra na embalagem.
É necessário um olhar superatento para distinguir quem realmente apoia o movimento por amor a ele ou se aquilo é marketing podre para fazer as pessoas acreditarem que estão consumindo com consciência. Até Paulo Coelho já indagou as atitudes dos famosos numa entrevista à Rolling Stone Brasil, concedida em 2008: “São tantas as celebridades envolvidas em causas que às vezes me pergunto se elas estão servindo às causas ou se as causas é que estão servindo a elas.”
"É justiça, não caridade, que está necessitando o mundo."
Mary Wollstonecraft
Posicionamento do blog
Como lidar com todas essas questões? Sinceramente, não é uma tarefa fácil.
Quando o blog começou a incluir o lado comercial, o objetivo era abrir espaço para marcas independentes, que fazem moda alternativa autoral e fabricadas aqui. Mas nem tudo são flores. Uma moda com esses pré requisitos no Brasil costuma ser cara e nem todos têm condições de comprar.
Existe também o caso das lojas alternativas mais informais, onde mesmo que o primeiro contato tenha vindo da loja (o que supõe-se ser a principal interessada em divulgação neste espaço), é, às vezes, frustrante. Nem sempre se comportam como empresários que zelam pela imagem de sua marca. Quer ser respeitado no mercado? Precisa começar a se enxergar como empreendedor! Não adianta abrir lojinha, ter talento, propor parceria e demorar quatro meses pra responder um email. Esse comportamento mostra que prazo não é importante para essas pessoas. E se prazos não são seguidos, como crescer? Expomos tais fatores porque as atitudes decepcionam. Nós queremos que o mercado alternativo nacional cresça, ser empresário "alternativo" não precisa - nem deve - significar que seu trabalho é amador.
Já as grandes empresas costumam ter mais profissionalismo, principalmente as estrangeiras. Mas vamos dar novamente valor aos produtos de fora mais do
que os daqui? Vamos ter que investir em parcerias com lojas mainstream para sermos levadas à sério?
A gente não quer ferir os princípios e ser mais uma a incentivar o consumo desenfreado de produtos em massa. Além de fazer mal ao mundo, alienar as pessoas, ninguém tem condição financeira para viver neste ciclo louco de consumo. Nem o meio ambiente tem capacidade de sobreviver a isso. É necessário que os consumidores também façam a sua
parte, infelizmente não há como se mudar um sistema sozinha.
A moda é também um ato político,
exercemos cidadania através dela.
Percebem como o assunto é complexo e quanto é essencial pensar e discutir mais? Uma pena que os puóvo das modas insistem em mostrar só o lado fútil.
Estamos longe de sermos perfeitas, mas ao menos propomos o debate e ficamos abertas a mudanças. E vocês?
Gosta do Moda de Subculturas?
Acompanhe nossos links: