Recentemente a leitora Evelyn Luz me mandou o relato reproduzido abaixo, publicado por Fernanda Takai em seu Facebook. No texto ela conta que usou um figurino inspirado em Edward Mãos de Tesoura para a gravação de um clipe de sua banda e foi hostilizada pelo visual ao caminhar por uma das ruas mais alternativas de São Paulo, a R. Augusta.
A ideia era compartilhar o texto na fanpage do MdS. Porém, percebemos a complexidade do assunto preconceito (já abordada por aqui 1, 2 ) e sabemos que cada um de nós passa por discriminações e assédios diários por sermos diferentes esteticamente da maioria da população.
Então, convidamos vocês para darem seus depoimentos sobre assédios e preconceitos que sofreram ao longo da vida apenas por ostentarem um visual fora do padrão.
Você pode usar a hashtag #preconceitoaodiferente pra gente poder acessar e ler os depoimentos. Pode comentar aqui no blog também quantas vezes quiser, não se preocupem que temos a opção de anonimato, basta que no local onde diz "comentar como" você escolha a opção "anônimo". E se não tiver face nem twitter, também pode nos enviar email, modadesubculturas@gmail.com que postaremos na hashtag com os devidos créditos (avise se quiser se manter anônimo).
No post de Fernanda Takai podemos ver como nossa sociedade é intolerante. Porque não avançamos? É bom a gente pensar no quanto políticas e mídias conservadoras tiverem influência na formação do nosso povo nos últimos anos e, neste caso, os primeiros a sentirem o efeito maléfico, são os alternativos.
Infelizmente, por causa de toda a violência que permeia nossa sociedade, muitas vezes ficamos quietos por medo de revidar um insulto, alguns até se "amenizam" por receio do que podem enfrentar na rua se estiverem vestidos como querem.
Mas achamos que se a gente recuar, se intimidar, ficar calado, nunca iremos para frente!! Sabemos que dá medo, só que se ficarmos encolhidos, nada irá mudar. Uma prova disso são as recentes leis que tornaram crime de ódio a violência contra pessoas de subculturas no Reino Unido, e isso só aconteceu por pressão das vítimas, porque elas não se calaram!
Então, esse é nosso convite:
Vamos contar nossos casos pra essa sociedade saber que sofremos preconceito sim! Não queremos mais que este preconceito seja invisível!
Um cabelo, uma roupa, uma maquiagem, uma modificação corporal não justifica nenhum tipo de assédio!
Vamos aproveitar a liberdade que a internet nos dá e dar uns tapas de realidade a intolerância que os alternativos enfrentam todos os dias?
Esse é um dos poucos espaços alternativos da internet e sempre mantivemos as portas (comentários) abertas pra quem quiser se manifestar livremente!
Vamos tentar diminuir a invisibilidade do preconceito ao diferente e mostrar pra todos que ele existe sim e que não podemos mais nos calar!
Relato de Fernanda Takai publicado em 18.12.2015 sobre o vídeo clip "Vida Diet" do Patu Fu, gravado em 2010.
As pessoas não suportam a diferença
"Na última terça-feira, estive a trabalho na capital paulista. Fui gravar um videoclipe no melhor estilo pouca verba, muita vontade. A idéia era andar de madrugada pela Rua Augusta – que vai do luxo ao lixo – enquanto cantava uma canção que diz: “a gente se acostuma com tudo”. Ou quase… Eu usava uma maquiagem e um figurino que remetiam diretamente ao personagem Edward Mãos-de-tesoura. Vocês devem se lembrar dele. Uma versão moderna e mais sentimental do Frankenstein, acrescido do talento para cortar cabelos, plantas etc., em formatos bem originais. Fiquei irreconhecível. Até parece que cresci uns 20 centímetros com os cabelos muito arrepiados.
Comecei a caminhar lentamente, enquanto as cenas eram captadas. A cada minuto alguém passava de carro ou a pé e gritava alguma coisa como: “olha a loucona!”, “bicha”, “sai, macumba!”, “que ser é esse, meu pai?”, sempre em tom de escárnio ou reprovação. Detalhe: quando percebiam que era uma gravação, trocavam um pouco a postura ofensiva por um “quem é?”, “é da televisão?”. Continuamos a andar, cruzamos a Avenida Paulista e uns fãs passantes me descobriram por trás daquela personagem. Um taxista até gentilmente foi me seguindo por alguns minutos batendo palmas e dizendo que gostava do meu trabalho, mas teve que se retirar pois acabava interferindo nas imagens e eu nem pude olhar pra ele pois fazia uma longa seqüência com os olhos fixos na câmera…
Enquanto ia cantando e descendo a rua em direção à parte mais barra-pesada do lugar, ficava pensando como é difícil ser diferente nesse mundo. Seja pela roupa, o corpo, algum tipo de comportamento menos usual e nem por isso errado. Ser diferente é atrair olhares e pensamentos que a gente sente como espinhos. Mas o pior eu ainda ia sentir de verdade naquela madrugada.
O diretor queria gravar umas cenas num clube noturno que costuma lotar todas as noites. Logo chegamos ao lugar, que fica exatamente na área mais recheada de saunas, casas de espetáculos eróticos e hotéis de alta rotatividade. Ou seja, supus que haveria umas tantas pessoas também diferentes e que ali eu não chamaria atenção. Errado. Os mesmos comentários surgiram como farpas. Eu também não era daquela turma.
Conseguimos autorização pra entrar com a câmera na boate. Já no corredor de acesso, pressentindo a hostilidade, disse que era melhor a gente ir embora que as pessoas estavam me olhando feio demais. Me davam empurrõezinhos e se viravam resmungando qualquer coisa. O som era altíssimo e a iluminação precária. Quando começamos a gravar umas cenas em que eu apenas ficava na pista enquanto todos dançavam. Alguém deliberadamente agarrou meus cabelos e me puxou com força. Estava escuro, lotado, e as pessoas pareciam todas iguais. Digo, vestiam-se do mesmo modo. Não consegui ter certeza de quem foi. Justamente nessa hora a câmera foi desligada para ser ajustada à quantidade de luz e ninguém da pequena equipe que estava lá comigo conseguiu ver o ataque. Imediatamente pedi pra irmos embora porque agressão física é o tipo de coisa que me faz perder a graça. Ou a gente parte pra cima ou foge. Eu fugi e fiquei com muita vontade de chorar. Nem tanto pela dor, mas pela constatação de que ser diferente é correr perigo. Não ser de uma determinada turma nos torna automaticamente alvos de um bocado de gente bruta e disposta a nos colocar no devido lugar pelas palavras e pelos atos ignorantes.
Minha filha tem um livrinho, que é um dos mais vendidos mundo afora, que se chama Tudo bem ser diferente. Não, Nina. Ainda não está tudo bem e pelo jeito nunca vai estar."
NUNCA SUBESTIME UMA MULHERZINHA (Fernanda Takai) 2007, Panda Books, 120 páginas.
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