Nos últimos dias, circularam algumas notícias envolvendo a relação entre mainstream e cultura alternativa. Os temas são:
1. Anitta: Lançou clipe cheio de referências ao rock, gótico e cultura pop. Anitta foi emo quando adolescente e logo depois se lançou como artista do Funk.
2. Luisa Sonza: Apareceu com roupas inspiradas na cultura hard rock e usando marcas alternativas nacionais e internacionais.
3. Moda terror: Um post da FFW sobre uma "trend alert" de halloween fora de época foi bastante compartilhado. Ao que parece muitos alternativos curtiram por se sentirem representados.
Moda Mainstream x Moda Alternativa
Quando lancei o blog em 2009, havia o diferencial de mostrar a relação entre moda alternativa e moda mainstream. Foi isso que fez o blog ascender e se tornar um sucesso, era uma abordagem diferente. Eu mal falava de história das subculturas, isso veio depois.
Ao longo destes 12 incansáveis anos por diversas vezes apontamos que a cooptação da estética alternativa/subcultural pelo mainstream é uma forma de despolitizar e, em alguns casos, enfraquecer o potencial revolucionário dos grupos alternativos.
Isso não é pensamento aleatório da minha cabeça, existem autores, teóricos e publicações que falam deste processo que ocorre há décadas. Quem acompanhou no twitter uma thread sobre Wokeísmo do perfil Pensar a História sabe do que falo.
A melhor forma de você conter a rebeldia juvenil revolucionária é oferecendo produtos que a faze sentir "representada" e acolhida, aceita socialmente. E se assim se sentem, qual o motivo de lutar contra o sistema?
Caso a caso
1. Anitta:
Fez um clipe com influencia e visual do rock, do gótico e da cultura pop americana. Usou marcas, roupas e visuais que carregam símbolos da cultura alternativa e de algumas subculturas.
Em 2019 lancei um zine sobre o estilo Dark Pin-up, nele eu trago uma teoria sobre a origem desse estilo e aponto uma característica fundamental: o uso de ícones do terror americano.
Quem é da área de Museologia ou de História, estuda Memória. Estuda-se quais são os tipos de memória e como elas se formam. Existe uma que se chama memória afetiva. Anitta, para conquistar o público americano investe em ícones de memória afetiva daquele país: ícones da cultura pop. E já que vivemos num mundo que a cultura americana domina nosso imaginário e nossos gostos, mexe também com a memória afetiva dos que aqui vivem, pois nosso imaginário é colonizado por esses ícones.
Isso não é a toa, é estratégia. As pessoas aceitam muito melhor o que lhes trás boas lembranças.
Se a cooptação é boa ou ruim?
Depende muito se você encara a cultura alternativa como algo político ou não.
Depende se você tem uma percepção politica, social, econômica liberalizada ou de raiz/revolucionária.
Depende como é sua filosofia de vida: seu discurso é coerente com sua prática? Ou isso pouco te importa?
Depende qual o espaço você abre em sua vida para a contradição.
Cada um terá suas respostas.
2. Luisa Sonza:
Apareceu usando roupas inspiradas na cultura hard rock e usando marcas alternativas nacionais e internacionais.
Não é novidade nenhuma que artistas do pop quando querem soar "diferentes" usam peças alternativas (a gente também fala há uma década sobre isso). A moda alternativa tem sempre uma novidade criativa ou algum clássico atemporal que serve ao mainstream.
A questão da Luísa é um pouco mais complicada e de difícil abordagem em stories. Luísa é conhecida por ser, enquanto artista, uma mulher hipersexu4liz4da e objetific4da.
Luísa apareceu usando uma blusa da banda KISS e um shortinho escrito na bund4: "piss", em português significa 'mij0'. Luísa está cada vez mais pornificada.
Não é de hoje que mulheres alternativas reclamam de serem objetificadas e fetichizadas.
E numa cultura cada vez mais pornificada isso tende a ser naturalizado.
Por que criticam-se tanto as "pirigóticas", mas aceita-se uma mulher adulta pornific4da com símbolos alternativos que leva a fetichização da estética das mulheres alternativas a um público muito mais amplo?
Qual o impacto desse tipo de estética e mensagem simbólica em crianças e jovens fãs da cantora?
O perfil @recuseaclicar trata sobre o impacto da pornografia na mente e na sociedade. Vale a pena visitar.
Mulheres são capazes de dissociar partes de seu corpo. Isso é sintomático de como mulheres são educadas para serem o objeto de olhar e não, a pessoa que olha.
A estética que Luisa Sonza adotou mostra claramente como mulheres são divididas na sociedade machist4: a pública e a privada.
A estética que Luisa Sonza adotou mostra claramente como mulheres são divididas na sociedade machist4: a pública e a privada.
Observe na imagem ao acima símbolos que comunicam a cultura da pornografia.
Moda Alternativa
Existem brasileiras cantoras de rock, de metal, de música gótica, existimos nós, mulheres alternativas: somos nós que sustentamos as marcas alternativas. Somos nós que estamos aguardando ansiosas toda nova coleção. Somos nós que divulgamos, no boca a boca, na indicação.
As mulheres do rock, sempre questionadoras, desafiantes, insubmissas, que usavam e ainda usam esses visuais do rock/metal/gótico não tem espaço na mídia dominante. A mídia se utiliza de artistas pop, moldadas ao mercado, sem poder questionador e as veste com visual rebelde. Enquanto as questionadoras estão lutando pra sobreviver no pequeno espaço que lhes resta, sempre tendo que provar capacidade.
Um artista pode dar visibilidade e trazer novos cliente, mas a fidelidade quem dá somos nós.
Sem a consumidora alternativa uma marca deixa de ser alternativa.
A moda alternativa tem suas próprias demandas e as demandas de seus consumidores.
A moda alternativa não precisa ser validada pelo mainstream.
Nós não devemos reconhecimento ao mainstream.
Nós não devemos nada a eles.
É o mainstream que precisa da moda alternativa.
Eles é que nos devem muito.
Nos devem nossa história.
Nos devem tudo que nos roubaram e enriqueceram com nossa criatividade.
A moda mainstream nos colonizou.
A moda mainstream nos colonizou.
Eles conseguiram o que queriam: nos dividiram, nos esvaziaram, nos cooptaram, colocaram o discurso deles sobre o nosso.
Símbolos das subculturas podem ser muitos vendáveis. O mainstream lucra horrores, ganham status de cult, de lançadores de tendências.
Aí você vai ver seus irmãos e irmãs alternativas e estão todos fodidos no underground. Vivem como classe trabalhadora. Por vezes precarizados. Por vezes trocando trabalho por produtos. Produzindo trabalho intelectual de graça.
Alguns deles e delas se disfarçam com a projeção de um estilo de vida burguês, porque ser pobre é um estigma.
A moda alternativa ainda existe?
Até quando será possível falar de uma "moda alternativa" se tudo logo se torna mainstream?
Como é que o alternativo vende tanto no mainstream mas as pessoas alternativas são praticamente inválidas fora dele?
3. Moda terror:
Um post da FFW sobre uma "trend alert" de halloween fora de época foi bastante compartilhado. Ao que parece muitos alternativos curtiram por se sentirem representados.
Aqui retorno ao que escrevi nos stories anteriores: a cultura pop americana está inserida na cultura alternativa e, a cultura alternativa não precisa ser validada pelo mainstream.
Se alternativos se sentem "representados" ou "validados" por umas blusinhas de terror vindas de grifes, olha sinceramente, é jogar a História Alternativa fora.
Alternativos não precisam serem validados por ninguém. Aliás o propósito era justamente desenvolver um contaponto à aceitação social.
O propósito de ser alternativo era mostrar que as instituições, o sistema e sua coerção social que nos dirige à validação e aceitação, fossem quebrados.
Mas ao que tudo indica o pensamento liberal pós moderno se tornou o cavalo de troia da cultura alternativa.
Teve quem saiu por aí dizendo que estéticas subculturais são mortos vivos que sempre voltam pra assombrar. Mas essa frase está contida em um post nosso! É uma frase da historiadora Valerie Steele para a exposição Dark Glamour de 2008! A gente sabe muito bem quem consulta nosso conteúdo e nos invisibiliza.
Nós já falamos do terror na moda mainstream diversas vezes, como no post do desfile da Moschino em 2019. Pena que nossos posts não são compartilhados como os do FFW não é mesmo?
Quem dera tivéssemos tanto apoio e celebração quanto os sites mainstream.
Essa é outra luta dos perfis alternativos que não se rendem ao discurso liberal pós moderno: a luta contra a falta de memória, a manutenção da história alternativa, a disponibilidade em manter o contato entre os conhecimentos das gerações anteriores e os conhecimentos das novas gerações, a honestidade e a coerência entre pensamento e ação.
E sobre o terror, tão aclamado:
enquanto o discurso clássico e reproduzido é que ele é uma forma de lidar com a dureza da realidade ou de instinto de sobrevivência, vocês já observaram quem sempre são as maiores vítimas? Vítimas de serial killers, vítimas de acusações de bruxaria ou de estar possuído por demônios? Você sabe a resposta.
Dica: até matam os homens, mas as vítimas, o demônio é a mulher.
Artigo original do blog Moda de Subculturas, escrito por Sana Mendonça e Lauren Scheffel. É permitido compartilhar a postagem. Ao usar trechos do texto como referência em seus sites ou trabalhos precisa obrigatoriamente linkar o texto do blog como fonte. Não é permitida a reprodução total do conteúdo aqui presente sem autorização prévia. É vedada a cópia da ideia, contexto e formato de artigo. Plágios serão notificados a serem retirados do ar (lei nº 9.610). As fotos pertencem à seus respectivos donos, não fazemos uso comercial das mesmas, porém a seleção e as montagens de imagens foram feitas por nós baseadas no contexto dos textos.
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