Sempre me interessei pelo tema do etnocentrismo, principalmente ligado à moda. Como professora de adolescentes, seguidamente peço aos alunos pra que façam uma pesquisa rápida de imagens no Google com o tema “beleza clássica”. Vale a pena dar uma olhada. Seguem algumas imagens.
Liz Taylor |
Audrey Hepburn / Brigitte Bardot |
Audrey Hepburn, Brigitte Bardot, Liz Taylor, entre outras, sempre vão figurar como ícones de beleza clássica, cânones do que consideramos como mulheres belas. Bem, o que todas elas tem em comum? São brancas e possuem os cabelos lisos, ou no máximo, ondulados (como mandava a moda da época). Trazendo este padrão para os dias atuais, podemos acrescentar que estes padrões trazem modelos cada vez mais magras como um ditame a ser seguido.
Etnocentrismo é isso: quando um padrão físico muito específico (pele branca, cabelos lisos, ser alta e magra) é ditado como regra ÚNICA de beleza, ou seja, tudo que foge a este estereótipo é taxado como não belo, feio, estranho, esquisito. Uso também o termo específico “eurocentrismo” para designar este padrão, uma vez que são estereótipos europeus de beleza.
É claro que este eurocentrismo não está apenas nos padrões de beleza: é apenas mais um veículo de propagação deste sistema de ideias. O eurocentrismo se manifesta na maneira como geralmente enxergamos o mapa mundi (a Europa no centro é a representação planisférica mais comum do planeta, embora seja apenas mais UMA maneira de representar), como enxergamos e reproduzimos estereótipos sobre outros países e continentes que não a Europa ou Estados Unidos. É uma construção intelectual muito antiga, que remonta ao colonialismo europeu do século 16, que envolve a chegada e conquista da América e do nosso Brasil.
No século 16 a “desculpa” para a conquista de novos territórios era a catequização dos povos nativos, os indígenas, que segundo a lógica eurocêntrica, eram bárbaros, incivilizados, subdesenvolvidos e os europeus seriam os responsáveis pela sua salvação. No século 19, quando a desculpa religiosa não cabia mais, a ciência da época justificava o domínio europeu sobre a África e a Ásia defendendo uma falsa superioridade europeia sobre estes povos, que não por acaso, tinham a pele escura e seriam então “civilizados” pelos europeus, que fariam este grande favor a humanidade (tem ironia aqui, certo pessoal?).
Não precisamos ir muito longe para saber que essas ideias racistas, tidas como ciência na época, iriam nos levar ao nazismo e a outros genocídios no século 20, e sobrevive até hoje como ideologia de grupos extremistas, que carregam orgulhosamente a bandeira do eurocentrismo, inclusive no Brasil.
Imperialismo: mapa da partilha da África entre as nações europeias |
Imperialismo
O que tudo isso tem a ver com a estética alternativa? Bem, até meados dos anos 1960 o padrão eurocêntrico era o único aceito como “belo”, podemos tirar uma febre pelas atrizes citadas acima. A partir do surgimento da subcultura dos hippies, e posteriormente dos punks, estes grupos vão resgatar em sua estética alguns elementos dos grupos que foram dizimados pelos europeus na época da colonização e do imperialismo, especificamente das culturas indígenas.
Dos hippies podemos notar em suas vestimentas as influências claras das culturas indígenas norte-americanas, como as estampas coloridas, as roupas com franjas e acessórios com penas, fibras naturais e sementes. A ênfase que essa subcultura dava ao artesanato e ao “faça você mesmo” também retoma aspectos das culturas indígenas pré-colombianas.
Não houve apenas um ressurgimento da estética indígena, mas das suas religiosidades também. Os hippies buscaram uma quebra com a religião tradicional de seus pais, cristãs, e se apropriaram de uma religiosidade xamânica ou oriental, todas elas pré-colonização. A popularização dos filtros dos sonhos, um clássico na subcultura hippie, advém dessa retomada: seus poderes mágicos “filtrariam” os sonhos ruins daquele que o portasse.
Os punks tem como um dos seus símbolos mais fortes os cabelos moicanos, que possuem esse nome pois se referem ao povo indígena dos moicanos (mohawks, no original), um dos povos que mais resistiu ao colonizador europeu. Por esse motivo, os punks incorporam este corte como símbolo de resistência.
Por último, as subculturas incorporaram as tatuagens ao seu repertório. Por que as incluo aqui? Porque segundo a “pseudo-ciência” racista do século 19, tatuagens e modificações corporais seriam as marcas usadas por criminosos para se identificarem. Essa é uma afirmação racista também visto que tatuagens e modificações corporais eram muito utilizadas por povos nativos, tanto na América, como na Ásia e na África, e foram brutalmente condenadas pelo colonizador europeu. É uma pena ver que ainda tem gente que pensa que tatuagem é coisa de criminoso (ver pintura de Debret abaixo, caracterizando os “tipos estranhos das Américas”).
Modificações Corporais:
"Diferentes Nações Negras", de Jean Baptiste Debret.
"Diferentes Nações Negras", de Jean Baptiste Debret.
"Indígenas", pintura de Jean Baptiste Debret retratando os indígenas do Brasil.
Concluindo: algumas subculturas desconstroem os padrões de beleza etnocêntricos, sendo muitas vezes essa a sua razão de ser. Entretanto, ainda vemos alguns editoriais de moda alternativa que seguem fielmente o padrão de modelos brancas, magras e altas, embora isso venha mudando nos últimos tempos. Mais lamentável ainda é vermos alternativos sendo racistas, gordofóbicos e preconceituosos de maneira geral: me parecem que não compreendem suas próprias subculturas.
Autora:Nandi Diadorim. Historiadora e professora na rede municipal de ensino no Rio Grande do Sul. Guitarrista em uma banda de punk rock. Cachorreira, gateira, vegetariana, feminista... em suma, a incomodação em pessoa.
Artigo
de Nandi Diadorim em colaboração com o blog Moda de Subculturas. É permitido citar o texto e linkar a postagem. É proibida a
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Que aula de História maravilhosa <3
ResponderExcluirÉ uma coisa que fico encucada: alternativos são recriminados por serem quem são, mas mesmo assim fazem com os outros...
Isso só demonstra que a desconstrução de ideia é extremamente necessária já que vivemos em um sistema no qual TUDO influência para o padrão machista/sexista/heteronormativo/gordofóbico e etc. Logo, só se identificar com uma subcultura/estética alternativa sem saber o que representa não adianta nada.
Oi Ekatherinah!
ExcluirConcordo plenamente contigo! Mas o que mais vejo atualmente são alternativos reproduzindo padrões do senso comum, sem pensar nas origens de suas próprias subculturas. Me parece falta de ir a fundo naquilo que gosta, um mal do nosso tempo....
Nandi Diadorim