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23 de dezembro de 2017

Subcultura Pachuco: rebeldia, feminismo e resiliência da cultura chicana na América.

Os Pachucos formaram um grupo marginalizado na sociedade americana durante aproximadamente 1939 a 1945 no sudoeste dos Estados Unidos. Usavam roupas distintas e falavam dialeto de origem espanhol-mexicano. Para as mulheres, o estilo Pachuca envolvia um feminismo popular e se tornaria o precursor da estética chola* que apareceria na América nas próximas décadas. As roupas serviam como resistência simbólica contra segregação e discriminação vindos do sistema de opressão da cultura branca americana. 

Adeptos da cultura Pachuca nos EUA.
subcultura-pachuco
Fonte
A origem
Uma teoria diz que o termo vem de El Paso, no Texas, cidade de trabalhadores migrantes chamada pejorativamente de “cidade de Chuco”. Outra, alega que a palavra deriva de pocho, termo depreciativo para um mexicano nascido nos Estados Unidos que perdera contato com a cultura de origem.

Repatriação mexicana, segunda guerra e conflitos sociais
No início do século 20, mexicanos imigraram para trabalhar em estados como o Texas, Arizona e Califórnia, à medida que as cidades se desenvolviam, os imigrantes aglomeravam-se em áreas de habitação mais antiga e degradada, trabalhando por salários abaixo da pobreza. No começo da década de 1930 cerca de 3 milhões de mexico-americanos residiam nos Estados Unidos.
A cidade de Los Angeles chegou a ter a maior concentração de mexicanos étnicos fora do México no período que coincidiu com a grande depressão americana, e para tentar reduzir o problema de falta de recursos econômicos, entre 1929 a 1944, num incidente conhecido como Repatriação Mexicana, o governo dos EUA deportou para o México entre 500 mil e 2 milhões de pessoas com ascendência mexicana (incluindo 1,2 milhão de mexicanos-americanos) numa campanha que se alastrou ao longo do século numa opressão sistemática e de discriminação étnica que gerou consequências que se estenderam por um longo período.


Um dos casos mais emblemáticos foi o caso da ravina Chávez, que em 1950 era uma vila próspera predominantemente mexicana e mexicano-americana onde habitavam mais de 5.000 pessoas. Desapropriada para um projeto de habitação pública federal nunca realizado, a terra retornou à Cidade de Los Angeles sendo vendida para Walter O´Malley que construiu o Dodger Stadium, aberto em abril de 1962 para a equipe de baseball Brooklyn Dodgers.


No topo, as habitações mexicanas-americanas;
abaixo o estádio de baseball.


Vestuário, Estilo e preconceito
Neste cenário se desenvolveu a primeira geração de americanos de origem mexicana, os Chicanos, na costa oeste americana mais expressivamente em Los Angeles, que criaram a subcultura Pachuco durante os anos 1930 e 40. Tinham uma gíria própria derivada da língua cigana de Caló de El Paso e se vestiam com versões dos famosos ternos zoot criados por Mickey Garcia, cuja modelagem exibia jaquetas longas acinturadas com imensas ombreiras, calças balão de cintura alta com tornozelos ajustados em barra italiana, em alguns casos pesada corrente de bolso de ouro, tudo em cores vibrantes e sapatos bicolores. Este traje era originalmente associado à outra subcultura: o Jazz dos Afro-americanos, cultura abraçada pelos chicanos como alternativa à cultura branca que lhes era negada. Esta indumentária colaborou para que a sociedade os apontasse como traidores e antipatriotas, uma vez que era necessária uma quantidade extra de tecidos para a confecção dos ternos e a época era de racionamento de tecidos em função da guerra.

Discriminados pela cultura branca americana,
os mexicanos encontraram abrigo na cultura afro-americana.
À direita, o cantor Cab Calloway pioneiro do terno Zoot. 

O traje Zoot Suit (terno Zoot) usado pelos afro americanos do Jazz...

... foram adotados pelo mexicanos - americanos.
pachucos-1940s


As pachucas usavam saias ajustadas acima do joelho (curtas para a época), suéteres justos, as jaquetas e a corrente de relógio como os rapazes, meia arrastão e sandálias huarache (salto baixo). Cabelos desfiados e armados em exagerados pompadours fixados com goma de cabelo e maquiagem com batom vermelho. Algumas usavam versão masculina do terno zoot com modificações para se adaptar as formas femininas. Ao exibirem seu próprio estilo de roupa não conformista, se tornavam subversivas devido aos papéis de gênero de longa data que ditavam como uma boa mulher deve se vestir, contrariando  os ideais da beleza vigentes, desafiando as normas por vestirem calças, as pachucas foram acusadas de radicais e não americanas.

As pachucas criavam a versão feminina dos ternos masculinos.

Pachucas com saias "curtas", sandáias hurache e grandes pompadours.

Pachucos e pachucas dançando: elas, 
com saias mais curtas que o habitual da época.
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Quando a estética aceitável era predominantemente branca, patriarcal e perfeita, os pachucos resistiram a ser incorporados ao espírito hiper patriótico da Segunda Guerra Mundial, criando uma alternativa não branca, matricentrada e latina que desafiaria a ideia de uma nação unificada, algo que os EUA tentavam desesperadamente retratar durante a guerra. 

Pachucos: jovens mexicanos-americanos

O fato da vestimenta e dos pachucos não se encaixarem no conformismo americano acabou desenrolando um grande conflito racial, protagonizado por marinheiros versus pachucos conhecido como Motim Zoot Suit que ocorreu principalmente no sul da Califórnia a partir de 1943. Os marinheiros americanos munidos de tacos batiam em todos que vestiam ternos Zoot, para os americanos brancos, eles eram marginais.


Os jovens que usavam terno Zoot era perseguidos pelos marinheiros...

...espancados e/ou presos, eram obrigados a tirar a vestimenta considerada anti-americana.

Jovens vestindo terno Zoot são analisados pela polícia.

Para manterem seus estilos os pachucos faziam os ternos clandestinamente devido à proibição de serem comercializados.

As mulheres também eram presas.

Pachucas na prisão: presas por subverter as regras de comportamento. Era comum a formação de gangues e para se defender elas carregavam pequenos canivetes escondidos nos topetes dos cabelos.

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Pachucas presas: detalhe para a maquiagem


O estilo Pachuca desafiou a percepção dominante da feminilidade durante esse período, já que seu estilo foi contra a moda feminina da época.


Feminismo
Seguindo a linha do Movimento dos Direitos Civis Mexicanos dos anos 1940, as Pachucas desafiaram as noções convencionais do que era considerado decoro feminino adequado. Ser uma pachuca era um tipo de "feminismo popular", que não vinha de uma consciência acadêmica, mas de uma crítica à cultura patriarcal incorporada à comunidade chicana. Segundo a pesquisadora de estudos chicanos Dra. Rosa-Linda Fregoso, autora do artigo de 1995 "Pachucas, Cholas and Homegirls in Cinema" que faz uma análise de como as mulheres latino-americanas são retratadas nos filmes, as pachucas encarnavam a rebelião contra a domesticidade e desafiavam a ideia do "comportamento feminino apropriado". O estilo Pachuca se tornaria o precursor da estética da Chola* que apareceria décadas depois. As mexicano-americanas queriam estabelecer suas "identidades sociais, culturais e políticas na América" sem terem que desistir de suas particularidades culturais latinas. 

"Elas estavam, nos anos 40, usando calça e andando com os caras. Elas usavam saias curtas, iam a festas, entravam em brigas, protegiam seu homem. E ainda não desistiam das responsabilidades que caem sobre você pelo simples fato de ser mulher." Rosa-Linda Fregoso.


Pachuca com versão feminina de blazer, saia "curta" e calças compridas.


O caso Sleep Lagoon e as acusações
A subcultura foi relativamente desconhecida do público americano até o caso do “Assassinato da Lagoa Sleepy” quando em agosto de 1942 um confronto entre gangues rivais ocasionou a morte de José Díaz, um jovem de 22 anos. Os suspeitos imediatos foram membros da gangue da 38ª Street, isto colocou os pachucos na cena pública criando uma imagem negativa em torno da juventude mexicano-americana. A investigação policial prendeu quase 600 jovens latinos e focou em condenar dez jovens mexicanas com o jornal Los Angeles Evening Herald & Express relatando suposta delinquência delas. Embora nunca tenham sido declaradas culpadas no caso, a maioria das garotas foi condenada à Ventura School for Girls, uma instituição correcional da Califórnia que abrigava jovens infratores.


Jovens latinos presos devido ao crime da lagoa Sleepy.


O caso Sleepy Lagoon, com ajuda da mídia, estigmatizou os pachucos em uma imagem violenta e promíscua, estereotipando as jovens como "degeneradas e hiper-sexualizadas" e logo jornais de língua espanhola, como La Opinión, também relacionavam pachucas como prostitutas e pachucos como seus cafetões. As comunidades mexicanas de Los Angeles também criticaram e denunciaram a nova subcultura, pais acreditavam que os filhos estavam destruindo costumes e tradições mexicanas. Os editores do jornal La Opinión descreveram a pachuca “[...]as jovens traíram o comportamento feminino adequado e causaram vergonha ao povo mexicano". O "problema mexicano" deverá ser resolvido, disseram autoridades americanas, e assim se iniciou uma grande campanha de racismo e desapropriação cultural tornando esses jovens estigmatizados pelos americanos e suas próprias comunidades. 


O legado da subcultura
A subcultura entra em declínio em 1945, mas a cultura chicana se manteve viva preservando elementos pachucos como gírias e causas políticas. Enquanto as pachucas sofriam perseguições públicas, continuavam mudanças relativas à gênero e um aumento de poder às mulheres que evoluiu e produziu impacto mesmo após a Segunda Guerra Mundial. As mulheres começaram a desempenhar um papel mais público no movimento chicano, como Dolores Huerta, que ajudou a formar a organização United Farm Workers em 1962 com César Chávez. "O feminismo chicano, paralelamente ao movimento chicano, ajudou a Chicana a se tornar reconhecida como um bem valioso em sua comunidade". 


 Passeatas da cultura chicana em épocas diferentes.
 
Na década de 1970 e 80, os chicanos, já orgulhosos de suas origens mexicanas e indígenas, participam das passeatas pelos direitos civis americanos, no entanto mudam seu visual para uma versão de cabeças raspadas, calças cáqui e camisetas brancas - de origem incerta, uns dizem ser relacionado ao uniforme das cadeias, outros dos soldados americanos -  e o terno zoot pachuco se torna traje formal nos bairros étnicos.

Cabeças raspadas e calças cáqui se tornaram o traje de resiliência e
 empoderamento da cultura mexicana na América.
chicanos-chicanas

Casais chicanos.
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A Cultura Low Rider
Os chicanos se aperfeiçoam na personalização de carros através da cultura Low Rider, que embora tenha se popularizado na década de 1970, já era praticada pelos pachucos em 1940. Esta cultura é forte ainda hoje no sul da Califórnia sendo um símbolo de resistência.



Cultura Low Rider na década de 1980.

A Cultura Pachuca / Chicana hoje
Na medida que novas subculturas surgiram, elas foram abraçadas pela cultura chicana, o rock n´ roll através do rockabilly e dos greasers; punk, gótico, raver, grunge, emo, rap, hip hop... um dos artistas mais adorados pelos pachucos é Morrissey, que possui grande fan base em LA possuindo até banda tributo (Mariachi Manchester) e festival em homenagem (Mexrrisey). 

O estilo das Pachucas contemporâneas.
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Reverse Pompadour, penteado das pachucas.



Penteado tradicional das Pachucas


Este vídeo mostra os estilos mais icônicos da subcultura.




O estilo dos ternos Zoot usado pelos pachucos na década de 1940, são usados ainda hoje em versões modernizadas. O traje é um símbolo de empoderamento e também usado em ocasiões formais da cultura chicana.

"É muito importante para os latinos que conheçam os Pachucos e o que aconteceu com eles, a injustiça, o racismo, nós descendemos de pessoas muito fortes."

 

A cultura chicana é muito diversa. Um exemplo é Xela von X, fã de musica punk e criadora da brigada ciclista Ovarian Psycos que pedala em bicicletas moonlit nas noites de lua cheia, reunindo mulheres que sofreram assédio e violência e promovendo atividades de empoderamento. Xela também é ativista contra a normatização do ódio étnico.





Os chicanos incorporam as subculturas à identidade latina, mantendo o engajamento na luta contra preconceito étnico e mantendo vivo o espírito contestador dos antepassados Pachucos.



*Chola: garota chicana. Tema do post a seguir.


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Autoria: Texto, acréscimos, edição e finalização de Sana Mendonça em cima de pesquisa inicial de texto e imagens feita por Letícia Hammes (Instagram / Facebook).

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Artigo original do blog Moda de Subculturas, escrito por Sana Mendonça e Lauren Scheffel. 
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