Como mulher, roqueira e fã de heavy metal, escrever essa seqüência de artigos que está por vir foi, além de uma grande pesquisa, um exercício de puxar pela memória as lembranças de o que é ser uma garota nesta cena e como isso evoluiu na última década. Espero que seja interessante para vocês e quem quiser, pode contar sua experiência de como era ser uma garota do metal antes dos anos 2000 ou como é ser uma garota do metal nos dias de hoje.
Continua nos links abaixo:
As Mulheres no Heavy Metal – Parte 2 (Década de 1970, 1980 e 1990)
As Mulheres no Heavy Metal – Parte 3 (Década de 2000)
Documentário: Mulheres no Metal
Nos primeiros anos do Heavy Metal, artistas femininas eram praticamente inexistentes. The Runaways era mais como um rock rebelde de garotas adolescentes e Girlschool foi por anos o único grupo de Metal só de mulheres a ter alguma divulgação, mas elas foram praticamente deixadas de lado e nunca tiveram o devido reconhecimento.
A partir de 1983, com a explosão comercial do Heavy Metal, algumas mulheres pioneiras surgiram: Wendy O Williams (ex-Plasmatics), Lee Aaron, Lita Ford (ex-Runaways), Betsy Bitch, Leather Leone, Doro Pesch, Sabina Classen (uma das primeiras a cantar gutural) e a banda Vixen. Lita Ford foi a que mais fez sucesso naquela década, ela e Lee Aaron tinham voz forte, perfeita para estilo, ambas com apelo sensual no visual. Já as garotas do Vixen tiveram que provar várias vezes pra gravadora que sabiam tocar ao vivo e, embora talentosas, foram marginalizadas pela feminilidade de suas letras e acabaram renegadas ao posto de pin-ups em posteres de revistas de metal voltadas ao público masculino.
Doro, Lee Aaron, Lita Ford, Leather Leone e Wendy O: Pioneiras no HM.
Doro, Lee Aaron, Lita Ford, Leather Leone e Wendy O: Pioneiras no HM.
As bandas Hard/Glam Metal, mesmo tendo homens andróginos e usando elementos mais “femininos” como maquiagem, estavam dizendo nas entrelinhas que eram machos o bastante para sustentar aquele look. Na cena Thrash, Death e no metal mais extremo, os homens, em seus looks e atitudes masculinizadas, exprimiam todas as suas agressividades. Mas então, vem o grunge...
Com a invasão radiofônica do grunge nos anos 1990, o mundo hiper masculino do Heavy Metal fez uma pausa. O grunge, dava aos homens o que o heavy metal não dava: a oportunidade de serem angustiados, infelizes e emocionalmente fragilizados. E as meninas se identificavam com isso. Kat Bjelland e Courtney Love eram garotas grunge sensuais, mas não se vestiam para os homens, se vestiam para elas mesmas. As mulheres, no grunge, não eram vistas como objetos sexuais como eram as do Heavy Metal, elas eram feministas e tinham o seu lugar.
O grunge dava aos homens o direito de serem emocionalmente fragilizados. E mulheres como Kat Bjelland e Courtney Love representavam bem o espaço crescente que as garotas estavam ganhando na cena rock daquela década.
Ao mesmo tempo do grunge, as Riot Grrrls surgiram. As Riot “se rebelavam contra um dos dogmas sagrados do mundo do rock: garotas não sabem tocar guitarra, bateria ou baixo tão bem quantos os homens. Devido a essa postura, várias garotas sentiam-se desencorajadas a tomar frente de uma guitarra ou qualquer outro instrumento.” As Riot Grrrls incentivavam as garotas e botavam as mulheres no poder. E por conta de todo esse espaço que as mulheres foram ganhando no Rock, o heavy metal se desviou.
Nos anos 90 o machismo do heavy metal foi abafado pelo feminismo crescente na cena rock capitaneados pelas Riot Grrrls e seus fanzines underground.
Quando o Heavy Metal volta no fim dos anos 1990, ele volta desvirtuado: havia começado a justaposição de dois sons, um suave e um pesado. Bandas Death e Black Metal começaram a adicionar vocais femininos ao fundo. Um estilo limpo contrastando com o gutural masculino. Agora há mais mulheres em bandas extremas, mesmo que apenas no backing vocal.
Surge a cena Symphonic e Gothic: Therion, Tristania, Nightwish, Within Temptation, Theatre of Tragedy apresentam boas vendas. E de repente dezenas de bandas na Europa tinham vocalistas mulheres permanentes. Em muitas destas bandas, a vocalista não tinha participação majoritária na composição das músicas, não tinha poder de decisão. Nestas bandas, algumas vezes chamadas de bandas estilo "A bela e a Fera", os homens ficam com a expressão artística e as mulheres relegadas ao domínio da emoção, sensualidade, erotismo, beleza física e voz angelical demonstrando o estereótipo feminino idealizado.
Bandas como Nightwish e Theatre of Tragedy trouxeram as mulheres de volta ao Heavy Metal em lugar de destaque. Mas em algumas bandas as mulheres não tinham o mínimo poder de liderança e participação na composição.
Quando esse ressurgimento do Heavy Metal explodia na Europa através de bandas de vocal feminino, nos EUA em 2003, uma banda de rock, Evanescence, explodiu no mainstream como há muito tempo uma banda com uma garota não explodia (talvez desde Lita Ford nos anos 1980). O Evanescence não é heavy metal, mas o nu metal e o metal alternativo estavam no auge naquela época e as rádios mudaram seus formatos para acomodar estas bandas híbridas de rock, pop e metal moderno acessível. Amy Lee, ao contrário das vocalistas europeias, usava sua voz natural, era co-autora de todas as letras e músicas do álbum, era líder da banda e seu apelo sensual era muito discreto, nem agressivo, nem sexy demais. Sua palidez e ar distante se aproximava da estética das garotas do Gothic Metal mas a semelhança acabava aí. Um ano depois, a banda Nightwish invade o mainstream com a música Nemo e as comparações entre estas duas bandas, que dominavam a MTV, são inevitáveis por parte do público.
O extremo sucesso mundial da vocalista do Evanescence, espalhou pras massas que mulheres poderiam compor, cantar rock pesado com voz feminina natural, serem líderes de bandas, não serem sexualizadas ou submissas aos caras das bandas. Isso influenciou o comportamento das garotas que começaram novas bandas, pois um novo estilo visual e comportamental passou a ser aceito. Não era mais obrigatório uma garota do rock ter de escolher entre ser a rebelde baderneira; bêbada ou drogada; ser grunge ou Riot; usar apenas roupas agressivas ou apenas roupas sexies; ou ser a diva lírica e distante; agora havia um meio termo. Era possível cada garota ser como quisesse.
O Evanescence não é heavy metal, mas o sucesso mainstream e a personalidade forte de sua vocalista mostrou que as mulheres também podiam compor, cantar com voz natural, serem líderes de bandas sem se prender a estereótipos do passado.
O Evanescence não é heavy metal, mas o sucesso mainstream e a personalidade forte de sua vocalista mostrou que as mulheres também podiam compor, cantar com voz natural, serem líderes de bandas sem se prender a estereótipos do passado.
E assim, nunca antes na história do Heavy Metal surgiram tantas mulheres em bandas como na década de 2000. Mais mulheres em bandas, mais mulheres no público, aproxima-se assim a paridade de gêneros na subcultura.
Continua na parte 2:
As Mulheres no Heavy Metal – Parte 2 (Década de 1970, 1980 e 1990)
As Mulheres no Heavy Metal – Parte 3 (Década de 2000)
Documentário: Mulheres no Metal
Veja também:
Heavy Metal: Moda MasculinaHeavy Metal: Moda Alternativa Masculina
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Pedimos que leiam e fiquem cientes dos direitos autorais abaixo:
Artigo das autoras do Moda de Subculturas. É proibida a reprodução total ou parcial do conteúdo aqui presente sem autorização prévia. É proibido também a cópia da ideia, contexto e formato de artigo. Plágios serão notificados a serem retirados do ar (lei nº 9.610). É permitido usar trechos do texto como referência em seus sites ou trabalhos, para isso precisa obrigatoriamente linkar o artigo do blog como fonte. Compartilhar e linkar é permitido, sendo formas justas de reconhecer nosso trabalho. As fotos pertencem à seus respectivos donos, porém, a seleção e as montagens de imagens foram feitas por nós baseadas no contexto dos textos.
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Bom eu nunca comentei em nenhum post seu mas resolvi me expressar aqui depois de muito tempo e lhe dizer algo obrigado, obrigado mesmo. Você faz a diferença na minha vida seu site e maravilhoso contem tudo que eu amo e que eu sempre quis aprender, tudo sempre bem escrito claro de se ler. Você faz um trabalho maravilhoso e eu gostaria de lhe falar o quanto sou grata por isso por me ajudar a conhecer mais. Quero que você sempre seja recompensada por tudo que você faz aqui por não deixar perder nem se esquecer épocas tão importantes no mundo da moda, minha grande paixão!
ResponderExcluirPuxa! Que comentário maravilhoso, me emocionei!
ExcluirÀs vezes o que a gente precisa ouvir mesmo é um "obrigada" para recompensar todo o trabalho de pesquisa, porque tem momentos que parece que a gente fala com as paredes rsrsrs!! E não sei se você sabe, mas eu criei esse blog exatamente porque eu não encontrava o que eu queria saber e o que eu gostava na web. Que ótimo que mais pessoas se interessam pelas mesmas coisas que eu!!
Só posso desejar que toda essa gratidão retorne em triplo pra você!
Obrigada!!
Devo concordar com a Isabella, sou leitora do seu blog há três anos e cada dia eu aprendo mais, sobre rock, sobre moda, principalmente sobre moda. Eu achava que moda era algo fútil, mas tem muita coisa por trás da moda, coisas que as pessoas não relevam na hora de falar,.
ResponderExcluirContinue com esse trabalho maravilhoso.
Bj
Obrigada Yasmin!!
ExcluirPois é, a moda é muito mais que tendências e futilidades. Que bom que te ajudei a dar uma outra visão pra essa profissão que tanto amo ;)
Eu lembro bem da era do grunge e das Riot Grrrlss. Eu adoro o L7, Babies in Toyland e Hole. E toda essa onda do Gothic Metal. Quando surgiu foi uma sensação (estou escrevendo de novo, pois não vejo meus comentários do Face, como passei do computador pra cá, pro lap top, acho que houve algum erro) , e houve muitas discussões, de góticos desinformados dizendo que o gothic metal era uma versão do metal, mas sabemos que o gothic metal é uma vertente do metal... vixi, deu o que falar na época. De qualquer forma, curto tanto o gótico quanto o metal, e adoro o gênero, as mulheres, os looks... Gostei da observação sobre o Evanescence. Mulher bonita, inteligente, que canta bem.
ResponderExcluirAntonia, eu consegui ler sim seus comentários do Face (via chrome) e até os respondi. ;)
ExcluirEu sou mais de ouvir rock e metal, mas admiro a forma que a estética gótica quando foi inserida no HM enriqueceu pra caramba a moda rock/metal!
Eu acho interessante como a Amy Lee rompeu muitos paradigmas das mulheres do rock e ainda inseriu uma nova estética ;)
Bjs e obrigada por escrever!
a amy lee e a tarja turunen e a Simone simons são as melhores..o resto é resto..kkk
ResponderExcluiramy lee é mainstream comparada com essas bandas menos famosas, mas o gosto musical médio e vendas/audiência do comum é bem inferior a qualidade vocal, instrumental, estética, audiovisual e cia da banda dela..
ResponderExcluirmainstream é lixos como sertanejo universitário, anita e outras porcarias sub-isto..
as dos 00s são muito melhores; essas de décadas anteriores pareciam aquelas jogadas dos anos 80s..credo
ResponderExcluirEstou coletando o máximo de material para ensinar Sociologia utilizando Heavy Metal. Seus textos me serão muito úteis. Muito obrigado.
ResponderExcluirProfessor Lair! Que maravilha ler isso! Fico muito feliz de os artigos estarem ajudando na educação das pessoas! Eu que agradeço!!
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