Esta semana vocês devem ter visto circulando nas redes sociais que na cidade de Leicestershire, na Inglaterra, virou crime de ódio os abusos verbais e físicos dirigidos a pessoas que fazem parte de subculturas.
Já tinha abordado esse tema na página do face ano passado, e conversando com uma amiga que mora na Inglaterra - pra entender melhor a história e não romantizar o fato, antes que as pessoas digam "ah vou me mudar pra lá" ou "nossa que avançados esses ingleses" - ela me disse que o norte daquele país é mais pobre, conservador e consequentemente, mais violento. Então gente, acredito que nenhum lugar é o paraíso e a gente tem que cair na real que se uma lei precisou ser criada, é porque os índices de violência com pessoas diferentes são altos. Esta mesma amiga disse ser muito raro ouvir falar de violência contra subculturas em cidades mais ao sul, como Londres e outras cidades maiores e cosmopolitas. Então percebemos que quanto mais convivência com diversidade, mais informação e menos pobreza, o preconceito diminui.
O legal seria se não precisasse existir lei, né? Se precisou existir é porque as agressões aos alternativos costumavam ser ignoradas pelas autoridades. Na teoria, se uma lei diz que todos são iguais, não precisaria existir segmentações. Mas a gente sabe que é mais fácil criar uma lei complementar do que mudar o comportamento do povo. É mais fácil e rápido punir do que educar. Ensinar o respeito, a tolerância aos diferentes leva tempo e até gerações para mudar comportamentos e às vezes esquecemos de planejar nossa sociedade à longo prazo. A violência e a punição são sempre mais rápidas e portanto se faz necessário esse amparo às vitimas de preconceito subcultural.
Há décadas polícias e governos de vários países reprimem as subculturas com a desculpa de que elas são feitas de pessoas descoladas das normas e valores sociais. Era muito comum na Inglaterra dos anos 1980, por exemplo, punks serem acusados de crimes que não cometeram e terem seus eventos musicais cancelados por venderem peças fetichistas ou serem de esquerda. E os hippies, que foram a primeira subcultura de classe média, não sofriam tanta violência física policial, mas eram vigiados constantemente por causa do LSD. Nem mesmo os clubbers escaparam da perseguição por causa da circulação de traficantes nos clubes, tanto que a subcultura acabou por repressão do governo americano.
Aliás, o suposto uso de drogas e envolvimento com seitas satânicas é a "desculpa" que mais usam pra perseguir e assediar alternativos. Além de considerarem que ser alternativo é algo que precisa ser "curado".
E esse pensamento é incentivado de forma super velada em programas de auditório, em programas de moda que mudam o look dos alternativos... são doses homeopáticas que suavemente infiltram na mente das pessoas que alternativos estão errados e precisam ser consertados, porque "consertar" uma pessoa é mais fácil do que mudar a mente preconceituosa de milhares. "Você ficou muito melhor com essa roupa clássica!", aham, mas e daí? Por que as pessoas não podem simplesmente ser como querem ser?
Por que o diferente incomoda tanto?
Talvez porque sintam que não podem nos controlar. Temos vontade própria.
E quando um sistema sente que não pode controlar as pessoas, ele sente medo. Sente medo porque pode perder seu poder. Então o que esse sistema faz é veladamente ensinar ao povo que pessoas diferentes precisam se tornar iguais para serem controladas. Nada mais perfeito que um povo manipulado.
E então de forma disfarçada as pessoas vão sendo ensinadas que o diferente não é certo, que ele precisa ser neutralizado para impedir o impacto positivo dessas pessoas na sociedade. Quando elas começam a se destacar positivamente, de alguma forma são enfraquecidas, seja pela moda mainstream, pelas autoridades ou pela mídia, para que percam seu poder de mudança social.
E a criminalização do preconceito contra subculturas só ganhou força na Inglaterra por insistência da família de Sophie Lancaster, uma jovem assassinada em 2007 por ser gótica. Seus assassinos, dois rapazes adolescentes, estão em prisão perpétua.
Chega a ser até um pouco parecido com aqui no Brasil que só depois que alguém inocente morre e a família não deixa quieto, põe a boca no mundo, que o governo decide fazer alguma lei. A mãe de Sophie, chamada Sylvia, luta para que ataques contra pessoas que são parte de subculturas alternativas sejam classificados como crimes de ódio em todas as cidades do Reino Unido. E alega que muitos alternativos não denunciam essas violências pois sentem que não serão levados à sério. Ela já conseguiu com que 9 cidades inglesas adotassem essa lei.
Não descobri nenhum dado oficial sobre violência física de "pessoas normais" contra pessoas de subculturas no Brasil. Vocês conhecem casos assim?? Contem-nos!
Casos de violência verbal e psicológica é mais fácil de ver e conhecer, até mesmo dentro das famílias, acho que todo mundo tem um caso pra contar sobre isso.
Mesmo que você não seja de nenhuma subcultura, não custa lembrar: é por causa de várias delas que tivemos a emancipação feminina, liberdade artística, sexual e religiosa, reformas políticas e de direitos humanos. Quando tomamos conhecimento disso, entendemos porque tantos querem nos "neutralizar".
Pra quem se interessar, ano passado fizemos uma série de posts sobre preconceito contra alternativos:
- O preconceito com as estéticas alternativas
- Sobre preconceito e autoconfiança
- Sobre Esquadrão da Moda e Mude meu Look
- O estilo de Abby Sciutto e Penélope Garcia
- O preconceito com as estéticas alternativas
- Sobre preconceito e autoconfiança
- Sobre Esquadrão da Moda e Mude meu Look
- O estilo de Abby Sciutto e Penélope Garcia
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Seus textos, Sana! <3 São os melhores! Sobre presenciar ou ser alvo de preconceito, creio que nunca eu tenha visto algo do tipo porque moro em SP e, bem, SP é muita diversidade, as pessoas já estão "acostumadas" com a grande diferença de pessoas. Claro, "acostumadas" não pela tolerância, mas pela grande quantidade de alternativos, aqui é bem mais normal. Mas apesar disso eu mesmo sou muito observada. Hoje mesmo eu estava no Shopping da cidade que eu moro e uma moça simplesmente não parava de me olhar, mas com um olhar de deboche. Quase fui perguntar o porque de tanta observação, afinal apesar das minhas vestimentas eu sou um ser humano e mereço ser respeitada como todos ao meu redor. É ridículo as pessoas terem que morrer, como foi o caso de Sophie para que o mundo alerte-se que todos nós somos humanos. É triste.
ResponderExcluirBelo post!
Beijos!
madessy.com
parabéns! Concordo com tudo, especialmente quando você diz que o sistema tem medo de quem não pode controlar então tenta alienar a sociedade em pensar que ser diferente é errado, o povo vira instrumento do estado e faz exactamente o que ele quer, toca a tentar mudar o mohak do primo porque se ele usa isso é porque anda metido em distúrbio, convencer a irmã a vestir aquele jeans justo e blusa a la executiva porque isso é o que é normal e de bem numa menina e pronto se gera um conflito sem nem saberem as verdadeiras razoes..
ResponderExcluirTens toda a razão Sana! E por essas e por outras é que eu comecei a publicar os meus casos no blog, a traduzi-los para inglês no Youtube e a juntar todas as informações relacionadas a este tema num grupo privado no Facebook. Quem sabe isto ainda vai servir para algo, sendo eu animadora sociocultural! E uma breve pesquisa vai dar-te mais 3 nomes de pessoas assassinadas por pertencerem a subculturas: Brian Deneke, Alexey Krylov e Alexander Ryukhin. E pelo menos um que morreu devido a negligência médica (também por pertencer a uma subcultura pois acharam que ele era drogado): Peter Williamson. Mas há tantos casos de violência que é preocupante!
ResponderExcluirMeninas, vocês arrasam sempre!
ResponderExcluirExcelente texto.
Concordo com tudo que disseram. É muito triste um lugar precisar de uma lei dessas para que pessoas diferentes parem de ser agredidas.
Por aqui eu nunca vi nenhum tipo de agressão física contra alguém só porque a pessoa tem um estilo diferente, mas violências verbais e psicológicas vemos o tempo inteiro, né!? A careta, o atravessar a rua, o puxar o filho pra perto, as "brincadeiras", xingamentos e por aí vai.
Tenho verdadeiro nojo quando essas coisas acontecem. Mas só mostra o quanto nossa sociedade está doente. A mente fechada e a falta de respeito são o câncer da nossa sociedade. Um câncer implantado por pessoas tão doentes quanto o resto só por causa de poder, dinheiro, status. E o pior é que no final das contas vamos todos para o mesmo buraco, né!? Então pra quê tudo isso?
Parabéns pelo post!
bjin
http://monevenzel.blogspot.com.br/
Eu tô aqui numa maratona lendo o blog de vocês e amando demais! Eu queria parabenizar vocês por todos os textos extremamente bem-pesquisados e que inevitavelmente te fazem pensar.
ResponderExcluirTô comentando aqui porque eu lembro sim de um caso de violência até bem high-profile contra gente subcultural aqui no Brasil; lembra daquele lance com a Liz Vamp e o Kizzy Ysatis? http://www.redevampyrica.com/home/liz-vamp-e-agredida-durante-evento-no-clube-loca-em-sao-paulo/#at_pco=smlre-1.0&at_si=56b90176ac34259e&at_ab=per-2&at_pos=1&at_tot=4
Sana, sobre a temática da influência das subculturas nas mudanças sociais (emancipação feminina, liberdade de pensamento, etc), tens algum site bom (incluindo links do teu, posso não ter visto ainda) que me recomendes? Ando em pesquisa e preciso de fontes fiáveis. Livros são super dificeis de encontrar, dai pedir sites. Obrigada :D
ResponderExcluirOriana, receio não poder te ajudar, não lembro de outros links brasileiros com essa abordagem, posso dar uma procurada e depois retorno aqui no comentário.
ExcluirAqui no blog tem o post dos club kids que conseguiram dar visibilidade a comunidade LGBT pós-aids.
http://www.modadesubculturas.com.br/2015/09/club-kids-money-sucess-fame-and-glamour.html
http://www.modadesubculturas.com.br/2016/01/a-nova-cena-drag-do-passado-ao-presente.html
Obrigada à mesma Sana :) se entretanto encontrares algo nas tuas pesquisas diz :) beijos!
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