Há um tempo tenho observado diversas marcas usando frases como "Girl Power"
e outras mensagens feministas como produtos de moda. Não há nada de errado em blusas com frases de efeito, na verdade isso é uma técnica de protesto através da Moda. A questão levantada aqui é o uso de pautas feministas pura e simplesmente por modismo descartável produzido em massa e que passam longe do conceito da empresa.
Quando pautas feministas viram produtos
comercializados em massa ou fora de propósito, tem seus significados
esvaziados e logo perdem força. Uma das formas do sistema dominante tirar a força de uma causa é se apropriando
dela. É um "truque" muito bem elaborado. Não apenas o feminismo mas outras causas sociais de igual importância
costumam ter suas lutas cooptadas quando começam a se sobressair.
Muitas mulheres estão
engajadas
com o feminismo no dia a dia, seja politicamente, em grupo ou
solitárias. O feminismo tem sido debatido em diversos sites ao redor do mundo conscientizando cada vez mais. Atento à isso, as empresas visando ganhar a simpatia destas mulheres passam a fazer campanhas de marketing e criar produtos que reflitam pautas da ideologia. Assim como grandes empresas, marcas alternativas também tem embarcado nessa pra acompanhar as trends.
Mas deixo um alerta: não se pode dar um passo
maior que a perna e vender algo que não possam sustentar. A partir do momento em que se é dono de uma marca e usa-se do marketing para
divulgar as peças, deve-se evitar esvaziar o significado de qualquer causa social que esteja em evidência. Deve-se ter responsabilidade sobre o
que está vendendo especialmente se seu público alvo é muito jovem.
Desde o último ano, centenas de lojas online apareceram com o
mesmo tema de coleção: anos 90, pegada Clubber, Kawaii, Riot Grrrl e "empoderamento
feminino". No embalo destas tendências querem aliar a imagem da marca ao estilo "cool" mas acabam
prejudicando de alguma forma os movimentos sociais e políticos.
Como lidar quando uma loja anuncia que vende "looks para todos os corpos" com modelos "plus size" na foto de marketing, mas ao analisar o catálogo, a maioria absoluta das roupas vendidas
vão apenas até o tamanho G?
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@gypsywarrior |
O movimento Riot Grrrl que informava sobre feminismo e incentivava meninas a terem suas bandas, também tem seu conceito vendido como produto de moda.
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@gypsywarrior |
Colar "Riot Grrrl" da Disturbia. A marca sempre focou no gótico e no ocultismo, sendo uma das lançadoras desta tendência. O que os fez vender um produto tão diferente do que costuma ser seu catálogo? Oportunismo comercial?
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@Disturbia Clothing |
Não há inocência no mercado. O mercado quer vender. Se uma marca está vendendo “girl
power" ela precisa oferecer produtos que cheguem à todas as mulheres (Helena do blog Garotas Rosa Choque escreveu um post sobre blusas "empoderadoras" que só vem em tamanho P).
Se uma marca quer empoderar mulheres, que tomem como
exemplo
outras marcas que já fazem sem utilizar a banalização do feminismo: reestruturando seus conceitos e visões de mercado. Se engajando
pessoalmente em
movimentos ideológicos que se identifica, assim a mudança pessoal se
refletirá naturalmente no trabalho sem precisar reproduzir um
estereótipo vazio de significado.
Não dá pra vender girl power se a marca não abraça e dá "poder" às mulheres que visa como público alvo. Um exemplo muito conhecido dessa confusa mistura de moda, feminismo
e comércio são as Spice Girls.
Em meio as comemorações dos 20 anos do single "Wannabe", tem
se falado muito sobre o girl power do grupo pop que influenciou
diversas meninas. Pra falar sobre isso vou levantar alguns fatos daquela década:
- Em 1995 a banda Shampoo lança seu álbum chamado Girl Power [video].
- Gangs de meninas estavam em voga na mídia, como
as
Patricinhas de Beverly Hills, Jovens Bruxas e em grupos como TLC,
Salt-N-Pepa: garotas de atitude e de sexualidade agressiva.
Foi na década de 1990 (como abordamos aqui) que a cultura
alternativa passou a ser cooptada em definitivo pelo mainstream. De lá pra cá,
o sentimento e o comportamento de grupo perdeu lugar para o individualismo. Este comportamento de grupo era típico dos movimentos feministas dos anos 1960, 1980 e das Riot Grrrls. O “feminismo” das Spice Girls sugeria uma “sisterhood”, onde
amigas se ajudavam a serem mais autoconfiantes. Mas esse tipo de mensagem
pouco fez efeito em mudanças sociais, pois elas já estavam na onda
individualista, tanto que cada uma tinha um estilo próprio. Muitas meninas tiveram
contato com essa abordagem de empoderamento individual, mas sem o engajamento político nas causas feministas.
As Spice Girls e o Girl Power como produto
As Spice eram um grupo concebido por empresários e Geri Halliwell era a mais envolvida nas composições. Elas tinham essa ideia
maravilhosa de "fraternidade feminina" que infelizmente foi
abafada pela imensa dimensão comercial que elas tomaram como artistas. De repente aquele Girl
Power empoderador virou diversos produtos: pirulito, bolsa, chiclete, Pepsi,
maquiagem, bonecas (veja lista aqui), roupas, um "feminismo" divertido e fofo sem
criticas sociais e de gênero, tudo dentro das tendências de consumo do mercado adolescente.
“Wannabe” é uma canção que prega o valor da amizade
entre mulheres mas segundo o documentário feminista "Atitude Cor de Rosa" [teaser aqui], peca na parte principal, quando as garotas dizem o que
querem:
“tell me what you want, what you really, really want”
(me
diga o que você quer, o que você quer muito, muito mesmo)
"I wanna, I wanna, I wanna, I wanna, I wanna really Really really wanna zig zig ha."
(eu quero, eu quero, eu quero, eu quero, eu quero muito muito mesmo zig zig ha)
As mulheres querem muito, mas muito, muito mesmo
tantas
coisas, mas na letra elas querem justamente algo que não significa nada: "zig
zig ha". É um exemplo do esvaziamento de fala de mulheres
quando chegam na posição de dizer o que querem e o que pensam. Quando
elas finalmente estão com toda
atenção para si, com as roupas certas e atitudes certas, o que sai de
suas bocas é um desejo vazio de significado que ninguém entende. É como
colocar uma mulher pra discursar num palanque mas quando ela abrir a
boca, ao invés de um discurso eloquente, sair um monte de balõezinhos de blablabla e
mimimi. Ou como o estereótipo da mulher linda e burra que não fala nada com nada ou da intelectual
chata que precisa ser silenciada.
O “zig zig ha” é como uma metáfora de tudo isso, porque visualmente o estilo
e o comportamento das Spice tinha atrevimento e provocação. Era comum na década de
1990 a ideia de “ter atitude". Isso diferenciava uma garota 'normal' de outra mais ousada ou alternativa. As Spice eram desbocadas, Victoria não sorria nas fotos, Geri quebrou o protocolo num nível altíssimo quando apertou a bunda do Príncipe Charles. Elas
batiam de frente com a ideia de garotas serem Barbies ou Princesas Disney,
tanto que Mel C tinha um visual bem moleque. Eram sensuais sem neuras quanto às suas
sexualidades, sem se preocupar com julgamentos. E naquela época ainda era tabu
falar abertamente de sexo.
Mas feminismo é um movimento de engajamento político
e isso elas não tinham.
A
formação da mentalidade de consumo feminino através da Moda.
As Spice fizeram um bom trabalho influenciando garotas à sua
maneira. Mas hoje, percebemos que aliar consumo a feminismo não é um bom
negócio. É bom problematizar um pouco quando começamos a perceber como o patriarcado vende as mulheres para mulheres.
O marketing quando usado em parceria com a música pop tem um
alcance que o alternativo não tem. Ele consegue atingir justamente quem
necessita ouvir esse tipo de mensagem. A cantora Shirley Manson e Kathleen
Hanna (uma das criadoras do movimento Riot Grrrl) elogiam Miley Cyrus, o que nos deixa intrigadas sobre algum lado da
Miley que
não conhecemos. O pop e o alternativo podem ter relação sim, especialmente
se há ideologias em comum. Kathleen Hanna hoje dá entrevistas para
veículos que jamais
daria na época de Riot Grrrl, porém, nunca a vimos dar um elogio sequer às
Spice.
As Riot Grrrls, criadoras* do termo Girl Power, eram contra o feminismo sendo usado como
mercadoria a ser consumida e hoje consigo entender o porquê: porque feminismo é
uma causa política muito séria que envolve mudanças comportamentais e sociais
muito grandes que nem todos estão dispostos a fazer. E justamente estes que não
estão dispostos a ceder seus privilégios ou que podem ser prejudicados é que ajudam a abafar lutas
sociais de mudanças de mentalidade e comportamento.
A moda é uma das indústrias
mais poderosas do mundo, ela molda os gostos das pessoas. Ela dita comportamentos. A moda decide o que você vai comprar neste verão. Diz o que você deve exibir pra ganhar status. A moda
tem um poder absurdo na formação da mentalidade de consumo das mulheres. A
moda sabe que mulheres compram o que é vendido de forma “certa”.
A moda
prega o individualismo. Só que qualquer mudança social que quisermos não faremos
sozinhas, individuais, só faremos reunidas em
grupo. E garotas jovens buscando esse individualismo são o consumidor foco dessa
indústria poderosíssima que não está interessada em ideologias, mas sim
em lucros.
* criadoras no sentido em que conhecemos hoje, aliado ao feminismo.
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Artigo original do blog Moda de Subculturas, escrito por Sana e Lauren (entre em contato por email ou DM no Instagram para nossos sobrenomes completos). É permitido compartilhar a postagem. Ao usar trechos do texto como referência em seus sites ou trabalhos precisa obrigatoriamente linkar o texto do blog como fonte. Não é permitida a reprodução total do conteúdo aqui presente sem autorização prévia. É vedada a cópia da ideia, contexto e formato de artigo. Plágios serão notificados a serem retirados do ar (lei nº 9.610). As fotos pertencem à seus respectivos donos, não fazemos uso comercial das mesmas, porém a seleção e as montagens de imagens foram feitas por nós baseadas no contexto dos textos.
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