"Cada um chama atenção como pode, não é, querido? Eu boto uma caveira aqui [ela aponta para o acessório que usa]. O que significa a caveira? O inexorável. Daqui a pouco, eu vou ser assim. Para eu me lembrar. E é uma caveira bem-humorada, porque ela tem uma florzinha; é rock and roll, que eu adoro; é o inexorável mesmo."
Assim como Bowie, Elke era também uma colecionadora. A diferença perante o cantor inglês estava em suas inspirações voltadas à sua própria história. A origem russa e alemã encontravam-se facilmente nas vestimentas e adornos. A infância na cidade de Itabira-MG, fomentou sua paixão pela cultura negra da qual costumava transmitir pelos penteados e acessórios. Na juventude, resolveu conhecer o mundo e trouxe em sua bagagem de conhecimento referências de países que logo seriam composição de seus looks e maquiagens, como o Teatro Kabuki do Japão. E vejam só, referência igualmente para David Bowie.
O uso de chifres era simbólico:
Elke é o animal sagrado dos vikings, o alce, o símbolo da nutrição.
Tudo era influencia para Elke. Tudo tinha um significado. E ela os interligava através do misticismo. A Mãe Natureza lhe guiava desde pequena as perguntas e respostas sobre a vida, aprendizado que viria de seu pai. Era comum o uso de analogias com animais quando questionada sobre algum comportamento seu ou do ser humano. O estudo de religiões, culturas, tribos e o ocultismo seria forte presença também em seus diálogos. Explicaria certos fenômenos da humanidade pela Astrologia antes mesmo de ser modismo. Aliás, o que ela não fez antes de ser moda? "Eu já usava a estética punk antes do punk gostar dessa própria estética", diria a Antônio Abujamra.
Colar feito de muiratinga:
galhos de árvore que nascem em formato de falos.
Várias entrevistas tentaram desvendar a moda de Elke. Poucos conseguiram ir a fundo. No vídeo abaixo, seu ex-marido, Sacha, diz que por muito pouco Elke não cai no burlesco, no ridículo. Ótima observação: o que faz uma pessoa com estilo extravagante não virar uma fantasia de carnaval? Muitos irão apontar que é a essência. E de fato é um fator importante, mas não sei se suficiente. Elke afirmava que gostava de aparecer, ser comparada a uma árvore de natal não era uma ofensa, pelo contrário. A estética casava perfeitamente com sua personalidade. Mas tinha algo a mais. Quando alguém se destaca visualmente, é natural que chame a atenção e nessas horas o que você tem a dizer também se sobressai. Se a roupa e a fala não se encaixam, automaticamente aquela estética se esvazia por não ser real, podendo chegar a interpretação arrogante do “querer aparecer por aparecer”. É uma linha muito sutil.
Um estilo fora do comum infelizmente acarreta em reações que fogem ao controle: de elogios à violência física ou verbal. Elke passou pelos mesmos perrengues que todo alternativo vive, e comentaria sobre: “Perguntam-me como criei este estilo, este visual que me caracteriza. Digo que sempre busquei compor este jeito, claro que não era assim como agora, pois hoje a coisa é mais abrangente, com o tempo venho me descobrindo muito mais por dentro e colocando o que descubro para fora. Costumo dizer que sempre fui assim, só que com o tempo estou piorando! Na realidade, sempre fui um trem meio diferente, sabe? Ainda adolescente resolvi rasgar a roupa, desgrenhei o cabelo, exagerei na maquiagem e sai na rua... Levei até cuspida na cara. Mas foi bom porque entendi aquela situação como se estivessem colocando-me em teste. Talvez, se meu estilo não fosse verdadeiramente minha realidade interior, eu teria voltado atrás. Mas sabia que nunca iria recuar. Eu nunca quis agredir ninguém! O que eu quero é brincar, me mostrar, me comunicar”.
Ter nascido com o espírito transgressor fez com que Elke quebrasse qualquer barreira de preconceito. Tem gente que pode não acreditar, e por mais que seja chocante a se pensar, existe sim uma retaliação violenta da sociedade diante do que ela considera diferente, mesmo que a pessoa tenha alguma posição de privilégio. Por que é necessário coragem para usar o que se gosta? "Acho tão gozado precisar de coragem para isso. As pessoas têm coragem de matar, né? Tem coragem de umas coisas estranhíssimas, e não tem coragem de se enfeitar!", questionaria surpresa.
Ter nascido com o espírito transgressor fez com que Elke quebrasse qualquer barreira de preconceito. Tem gente que pode não acreditar, e por mais que seja chocante a se pensar, existe sim uma retaliação violenta da sociedade diante do que ela considera diferente, mesmo que a pessoa tenha alguma posição de privilégio. Por que é necessário coragem para usar o que se gosta? "Acho tão gozado precisar de coragem para isso. As pessoas têm coragem de matar, né? Tem coragem de umas coisas estranhíssimas, e não tem coragem de se enfeitar!", questionaria surpresa.
Para muitas mulheres a maquiagem pode ser uma prisão, porém Elke a transformou numa forma de expor quem realmente era.
Uma verdadeira lady drag. Mais uma vez saindo a frente do tempo.
À medida que os anos foram passando, contrariando aqueles retrógrados pensamentos de que “é só uma fase”, “você não está velho demais para se vestir assim?", a evolução de Elke não ficava só no físico. Era também uma constante transformação espiritual e mental. Esse era talvez um dos motivos de não ficar ultrapassada, algo que detestava. "Se a gente não quebrar estruturas enrijecidas, quebrar velhas estruturas, doa a quem doer. Doa a gente, doa a quem doer. A gente não tem possibilidades de novas...possibilidades. Nem dentro nem fora da gente, né? É a tal coisa, ficar velho é muito bom, mas ficar antigo é problema, ficar ultrapassado é problema".
Chegando ao mundo no dia 22 de Fevereiro, setenta e um anos depois, em 16 de Agosto, Elke deixava o nosso plano menos colorido. Ali também finalizava um de nossos projetos: entrevistar e conhecê-la pessoalmente. Mas seus pensamentos eram tão fortes que mesmo de longe nos alcançaria. Entre acordos e desacordos sobre suas opiniões, uma delas nos instiga até hoje a reflexão: "Temos uma liberdade sim, a de escolher a prisão que a gente quer ficar". Por fim, um último desejo: que a exposição Elke Quântica Maravilha retorne e percorra outras cidades do país. Diante de tantos retrocessos, o Brasil precisa respirar mais Elke.
Acompanhe nossas mídias sociais:
Pedimos que leiam e fiquem cientes dos direitos autorais abaixo:
Artigo das autoras do Moda de Subculturas. É permitido usar trechos do texto como referência em seus sites ou trabalhos, para isso precisa obrigatoriamente linkar o artigo do blog como fonte. Compartilhar e linkar é permitido, sendo formas justas de reconhecer nosso trabalho. É proibida a reprodução total ou parcial do conteúdo aqui presente sem autorização prévia. É proibido também a cópia da ideia, contexto e formato de artigo. Plágios serão notificados a serem retirados do ar (lei nº 9.610). As fotos pertencem à seus respectivos donos, porém, a seleção e as montagens de imagens foram feitas por nós baseadas no contexto dos textos.
Artigo das autoras do Moda de Subculturas. É permitido usar trechos do texto como referência em seus sites ou trabalhos, para isso precisa obrigatoriamente linkar o artigo do blog como fonte. Compartilhar e linkar é permitido, sendo formas justas de reconhecer nosso trabalho. É proibida a reprodução total ou parcial do conteúdo aqui presente sem autorização prévia. É proibido também a cópia da ideia, contexto e formato de artigo. Plágios serão notificados a serem retirados do ar (lei nº 9.610). As fotos pertencem à seus respectivos donos, porém, a seleção e as montagens de imagens foram feitas por nós baseadas no contexto dos textos.
Elke... sempre tão autêntica, sempre tão... maravilhosa! ♥
ResponderExcluirMuito mais do que uma inspiração.
Essa foi uma das piores perdas dos últimos tempos...
Amei esse post. Obrigada! ^^
bjin
http://monevenzel.blogspot.com.br/