Tatuagens com motivos florais, piercings, cabelos coloridos, headpieces, bodychains, toda sorte de arranjos com pedrarias, moedas, pingentes, medalhões e flores sintéticas, maquiagem artística bem carregada nos olhos, trajes que levam tecidos pesados, da renda ao veludo, do negro ao translúcido, do opulento ao minimalista... de qualquer modo, é impossível não olhar para uma dançarina de tribal duas vezes e tentar decifrar o que ela tenta nos transmitir através de sua postura imperiosa, da sua dança carregada de uma energia quase palpável. Em movimento, ela transborda sensações e sentimentos; a música, quase sempre instrumental, parece pulsar do seu corpo, em sintonia com a alma.
Profundo, não? Foi assim que me senti ao assistir uma performance de dança tribal pela primeira vez. Foi como prestigiar um monólogo, mas na dança, o verbo é dispensável, sendo a ausência de vozes - tanto na letra da música quanto na boca da artista - carregada de significados. Seus olhos expressivos já nos dizem tudo o que precisamos saber. E nossos olhos, famintos de curiosidade, percorrem a performance com atenção, sentindo aquela estranheza inicial e em seguida despertando nossa emoção. No palco, deixamos de ser quem somos no dia a dia para incorporarmos nossa persona criativa.
Ligada aos nossos valores antigos e sagrados, o estilo tribal traz elementos contemporâneos em sua forma de pensar a dança ao mesmo tempo em que a resgata como uma prática ritualística das nossas raízes antropológicas - nas palavras de Joline Andrade, bailarina e especialista em Estudos Contemporâneos sobre Dança pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), "uma dança que representa a atualização estética da fusão contemporânea entre o moderno e o ancestral"; ou, no dito popular: mais do que uma dança, um estilo de vida!
Joline Andrade (BA) é professora, bailarina, produtora e pesquisadora em dança tribal. |
Mas afinal, o que é a dança tribal?
É difícil definir a dança tribal assim, em uma frase, sem dar margem à interpretações errôneas. Se a dança do ventre já recebe uma visão um tanto ofuscada pelos brasileiros, que dirá o tribal! Mas tem um artigo da Mariana Quadros (aqui) sobre os mitos do tribal que tenta esclarecer algumas confusões criadas entre os leigos no assunto. Reforço aqui os pontos do nosso interesse: dançar tribal não é fazer carão, colocar uma música dramática e se aventurar em peripécias abdominais utilizando um figurino preto, assim como também não podemos chamar de tribal qualquer fusão com dança do ventre.
Para compreender esta dança é preciso ir a fundo em seu histórico, matrizes e referências. Para este estudo, apresento um recorte adaptado do trabalho Processos de Hibridação na Dança Tribal: Estratégias de Transgressões em Tempo de Globalização Contra Hegemônica de Joline Andrade:
Numa tentativa de acompanhar a liquidez das informações no mundo contemporâneo, a dança tribal é uma linguagem que, tendo como referência a dança do ventre, surge como uma proposta de agregar diferentes manifestações de danças étnicas das mais variadas regiões do mundo, mesclando conceitos e movimentos de estilos como o flamenco, a dança indiana, danças do Hip Hop e até mesmo posições do(a) yoga, para transpô-las numa estética contemporânea atualizada.¹
Em resumo, ainda segundo a Joline, a dança tribal "é relativamente recente no mundo da dança, mas bebe na fonte de diversas culturas antigas e mistura tudo numa alquimia contemporânea." O estilo surgiu como uma forma de expressão inovadora no final da década de 1960, na Califórnia (EUA), durante os movimentos contraculturais do Woodstock, em meio a episódios sociais, culturais, políticos e econômicos, chegando ao Brasil em meados da década de 1990. Tatuagens e estilos ancestrais de adornos corporais estavam em voga e, desta forma, outros jovens que viviam estilos de vida alternativos se interessaram pela dança, dando forma à linguagem exótica que conhecemos hoje.
Carolena Nericcio é a mãe do American Tribal Style® Belly Dance, estilo que tem como principal característica a improvisação coordenada em grupo. |
Somos uma só Tribo!
Em 2008, Luciana Carlos Celestino trouxe uma importante contribuição para o meio acadêmico sobre a dança tribal: o artigo Sementes, espelhos, moedas, fibras: a bricolagem da dança tribal e uma nova expressão do sagrado feminino, utilizado como uma das principais referências em trabalhos posteriores, onde aponta que "se compreendermos a dança além de uma manifestação estética e/ou artística, poderemos ver a conexão entre a criação poética e o envolvimento que vivenciam as dançarinas"; afirmando ainda que "ao entrarem em contato com a dança, as dançarinas têm uma intenção clara de resgatar valores ligados ao feminino".²
Em síntese, o tribal traz muito da singularidade de cada dançarina. Nossas experiências pessoais bem como nossas vivências artísticas tornam-se estudos complementares de corpo e arte que contribuem para a construção de um vocabulário artístico. Na dança, imprimimos nossa personalidade, encontramos nosso estilo e, por fim, desenvolvemos uma identidade artística. Esta liberdade de criação ocasionou no desenvolvimento de inúmeras vertentes e nomenclaturas diferentes, mas cabe aqui ressaltar que, antes de tentar rotular uma performance, fazemos todas parte da mesma tribo. Confira a seguir alguns estilos de fusão que se destacaram ao longo dos anos, seus precursores e, também, alguns dançarinos de destaque em nosso país:
ATS® e ITS
ATS® é a sigla para American Tribal Style®, estilo criado por Carolena Nericcio; enquanto que ITS é a sigla para Improvisational Tribal Style, cujo conceito é o mesmo - de improvisação coordenada em grupo - mas o estilo varia conforme o grupo. Na foto: à direita temos o grupo Widlcard Bellydance e, à esquerda, o grupo Unmata, ambos de ITS.
ATS® e ITS
ATS® é a sigla para American Tribal Style®, estilo criado por Carolena Nericcio; enquanto que ITS é a sigla para Improvisational Tribal Style, cujo conceito é o mesmo - de improvisação coordenada em grupo - mas o estilo varia conforme o grupo. Na foto: à direita temos o grupo Widlcard Bellydance e, à esquerda, o grupo Unmata, ambos de ITS.
Cia Exotika - ITS
Dark Fusion
Ariellah Aflalo (à esquerda) é a principal responsável por trazer a influência dark e gótica na dança do ventre e tribal, sendo uma das integrantes da formação original do The Indigo Belly Dance Company e idealizadora do festival Gothla de fusões dark e teatrais. Nas palavras de Gabriela Miranda (RS), à direita, o estilo Dark traz a expressão teatral, lírica e passional para a dança. A brasileira Mariana Maia (SP), no centro também é adepta do estilo.
Indian Fusion
As fusões com dança indiana são também uma das principais vertentes da dança tribal. À esquerda, Naga Sita, conhecida pelas fusões ritualísticas com Art Nouveu através do seu grupo Apsara; no centro, Moria Chappell, a criadora do Odissi Fusion; e à direita, Collena Shakti, uma das principais referências em Indian Fusion Belly Dance.
Urban Fusion
A Orchidaceae Urban Tribal é a principal referência em urban fusion. Dirigido por Piny, o grupo mescla movimentos do popping, waacking, vogue e dança contemporânea com dança do ventre.
Tribal Brasil
Kilma Farias (PB) foi a primeira dançarina a realizar experimentações, desenvolver e sistematizar o estilo Tribal Brasil junto com a Cia Lunay, que fusiona a dança tribal com danças afro-brasileiras. Em seguida, surgiram outros pesquisadores na área, como Cibelle Souza (RN) - diretora da Shaman Tribal Co., e Nadja El Balady (RJ).
Ariellah Aflalo (à esquerda) é a principal responsável por trazer a influência dark e gótica na dança do ventre e tribal, sendo uma das integrantes da formação original do The Indigo Belly Dance Company e idealizadora do festival Gothla de fusões dark e teatrais. Nas palavras de Gabriela Miranda (RS), à direita, o estilo Dark traz a expressão teatral, lírica e passional para a dança. A brasileira Mariana Maia (SP), no centro também é adepta do estilo.
Ariellah Aflalo e The Lady Fred
As fusões com dança indiana são também uma das principais vertentes da dança tribal. À esquerda, Naga Sita, conhecida pelas fusões ritualísticas com Art Nouveu através do seu grupo Apsara; no centro, Moria Chappell, a criadora do Odissi Fusion; e à direita, Collena Shakti, uma das principais referências em Indian Fusion Belly Dance.
Naga Sita
A Orchidaceae Urban Tribal é a principal referência em urban fusion. Dirigido por Piny, o grupo mescla movimentos do popping, waacking, vogue e dança contemporânea com dança do ventre.
Orchidaceae Urban Tribal
Kilma Farias (PB) foi a primeira dançarina a realizar experimentações, desenvolver e sistematizar o estilo Tribal Brasil junto com a Cia Lunay, que fusiona a dança tribal com danças afro-brasileiras. Em seguida, surgiram outros pesquisadores na área, como Cibelle Souza (RN) - diretora da Shaman Tribal Co., e Nadja El Balady (RJ).
Shaman Tribal Co.
A cena também é deles
Uma das principais distinções entra o estilo tribal e a dança do ventre como a conhecemos popularmente é que, apesar de ressaltar a feminilidade, a dança tribal se destaca pela criatividade artística e técnica da bailarina, sem necessariamente torná-la sensual, desta forma, os homens também ganharam espaço na área, conquistando o público com o carisma masculino.
Illan Riviére
A AutoraReferências
Melissa Souza (Várzea Paulista/SP) é bailarina, professora, coreógrafa e produtora na área de Dança Tribal, blogueira-criadora do Tribal Archive e integrante do Movimento TranscenDance. Bacharel em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo, atua também com assessoria de comunicação e mídias digitais para empreendedores e artistas. Dentre seus trabalhos recentes está a produção independente do Projeto Vídeo & Dança.
Blog: http://tribalarchive.com
¹ ANDRADE, Joline Teixeira Araújo. Processos de Hibridação na Dança Tribal: estratégias de transgressões em tempos de globalização contra hegemônica. Monografia (Curso de Pós Graduação em Estudos Contemporâneos sobre Dança) - Universidade Federal da Bahia, 2011.
² CELESTINO, Luciana Carlos. Sementes, espelhos, moedas, fibras: a bricolagem da dança tribal e uma nova expressão do sagrado feminino. In. XVI Semana de Humanidades da Universidade Federal do Rio grande do Norte, 2008.
Sites consultados:
http://fcbd.com
http://www.jolineandrade.com
http://hibridaressonante.blogspot.com
http://www.marianaquadrostribal.com
http://www.tribalarchive.blogspot.com
http://cialunay.blogspot.com.br
Artigo de Melissa Souza em colaboração com o blog Moda de Subculturas. É proibida a reprodução total ou parcial do conteúdo aqui presente sem autorização prévia do autor. É permitido citar o texto e linkar a postagem. É proibido a cópia da ideia, contexto e formato de artigo. Plágios serão notificados a serem retirados do ar (lei nº 9.610). As fotos pertencem à seus respectivos donos, porém, a seleção e as montagens das mesmas foram feitas por nós baseadas na ideia e contexto dos textos.
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Adorei o artigo! Pratiquei dança do ventre durante muitos anos e fiquei muito feliz em ver um artigo aqui sobre o assunto!
ResponderExcluirQue bom que gostou! ^^
ExcluirSempre digo que, uma vez na Dança do Ventre, difícil não pintar aquela vontade de retornar à prática! E não existe idade ou momento ideal para isso. Se joga ;)
Ótimo artigo! Muito bem explicado 👏👏 E obrigada pela citação 😊😘❤
ResponderExcluirQue bom que gostou, Gabriela, fico muito feliz, obrigada!♡
ExcluirQue bom que gostou, Gabriela, fico muito feliz! ^^ Obrigada ♡
ExcluirCurti muito saber mais desse estilo de dança. Eu já o conhecia, um pouco, através da subcultura gótica (não sei ao certo se o Ballydance e o Tribal Fusion possuem alguma característica em comum), e tinha gostado do estilo da dança. Não sabia que aqui havia grupos brasileiros especializados nessa modalidade artística. Ótimo artigo.
ResponderExcluirAté mais!
Karolini Barbara
Oi, Women! Que interesse seu comentário! A princípio, a maior parte das alunas tomam conhecimento do estilo tribal através das aulas de dança do ventre, mas este cenário já está mudando. Aqui no Brasil, as primeiras dançarinas surgiram por volta da década de 90 e as "tribos" têm crescido bastante, viu! rs. Obrigada :)
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