No último fim de semana, assisti ao filme Capitão Fantástico. Para não entrar muito em detalhes e acabar dando spoilers para quem ainda não viu (visto que é um filme que estreou no cinema há pouco tempo), vou colar aqui uma breve sinopse que retirei do site Wikipédia:
“Em meio à floresta do Noroeste Pacífico, isolado da sociedade, um devoto pai dedica sua vida a transformar seus seis jovens filhos em adultos extraordinários. Mas, quando uma tragédia atinge a família, eles são forçados a deixar seu paraíso e iniciar uma jornada pelo mundo exterior - um mundo que desafia a ideia do que realmente é ser pai e traz à tona tudo o que ele os ensinou”.
Quem assistiu e curtiu o filme Na Natureza Selvagem, de 2007, com certeza irá gostar muito de Capitão Fantástico. Eu definiria este último como uma espécie de continuação do primeiro. Bom, vou parar por aqui senão vou falar demais e estragar o filme para quem ainda não viu, mas posso dizer que são filmes que levantam questões muito interessantes, como a busca do “eu” em meio à sociedade de consumo.
Na Natureza Selvagem (2007)
Capitão Fantástico (2016)
Um tema muito caro para várias subculturas é justamente o sentimento de não se encaixar nesta sociedade, estar deslocado, ser um estranho neste planeta. Frequentemente, a maioria das pessoas não entende seu estilo de vida, observam-te com preconceitos, fazem piadas e, em alguns casos mais graves, partem até para violência física. Ou seja, às vezes, você literalmente tem vontade de “sumir” do mundo. Alguns lidam bem com esse estranhamento vindo dos outros (confesso que teve época em que eu achava até engraçado), outros não. Neste caso, não me refiro apenas ao preconceito estético, mas também à intolerância em relação às suas ideias e visões de mundo; intolerância e preconceito estes que, muitas vezes, vêm da sua própria família. Este tema é bem abordado no filme, o que nos impulsiona à reflexão.
Capitão Fantástico e o estranhamento...
Além disso, um tema comum nos dois filmes é o projeto para viver um novo estilo de vida, uma sociedade alternativa, bem ao estilo da subcultura hippie. Embora nenhum dos dois filmes fale diretamente sobre esta subcultura, é fácil encontrar elementos dela, como, por exemplo, a busca por uma vida na natureza, a fuga da sociedade de consumo, a construção e a criação de todos os objetos necessários à sobrevivência, a obtenção natural de alimentos (por meio do cultivo e da caça), além de viver de acordo com as suas crenças mais profundas.
Na Natureza Selvagem: a sobrevivência em meio à natureza
Embora tenham muitas semelhanças, elas param por aí, porque Na natureza selvagem fala sobre uma história real (recomendo muito o livro que deu origem ao filme, de mesmo nome, escrito por Jon Krakauer) enquanto Capitão Fantástico é uma história ficcional. Quanto às questões estéticas, Na natureza selvagem é bem mais amenizado na comparação, embora tenha alguns elementos chaves na história, como, por exemplo, o cinto usado por Chris, que representa uma linha do tempo de sua própria vida e da sua jornada em meio à natureza.
Já Capitão Fantástico apresenta uma estética bastante alternativa, com uma exteriorização do estranhamento dos personagens em relação ao que é considerado “normal”. O visual das irmãs mostra claramente uma influência hippie:
Em suma, os dois filmes são claramente influenciados pelos escritos de Henry David Thoureau (1817 – 1862), célebre escritor norte-americano, ícone da não-violência, do anarquismo do século XIX e da volta à natureza. Só para ilustrar, a abertura do texto clássico “A desobediência civil” é uma crítica aos governos instituídos:
“Aceito com entusiasmo o lema “O melhor governo é o que menos governa” e gostaria que ele fosse aplicado mais rápida e sistematicamente. Levado às últimas consequências, este lema significa o seguinte, no que também creio: “O melhor governo é o que não governa de modo algum” e, quando os homens estiverem preparados, será esse o tipo de governo que terão. O governo, no melhor dos casos, nada mais é do que um artifício inconveniente (...)”.
Em resumo, o trecho fala da inutilidade do Governo na vida dos cidadãos e explora a ideia de se viver independente dos governantes, pois estes tiram as liberdades básicas das pessoas; além de desobedecer às regras impostas pela sociedade. Em outro livro, Walden ou "A vida nos bosques", podemos ler o seguinte trecho:
“Fui para os bosques porque pretendia viver deliberadamente, defrontar-me apenas com os fatos essenciais da vida e ver se podia aprender o que tinha a me ensinar, em vez de descobrir na hora da morte que não tinha vivido. Não desejava viver o que não era vida, a vida sendo tão maravilhosa, nem desejava praticar a resignação, a menos que fosse de todo necessária. Queria viver em profundidade e sugar toda a medula da vida, viver tão vigorosa e espartanamente a ponto de pôr em debandada tudo que não fosse vida, deixando o espaço limpo e raso; encurralá-la num beco sem saída, reduzindo-a a seus elementos mais primários, e, se esta se revelasse mesquinha, adentrar-me então em sua total e genuína mesquinhez e proclamá-la ao mundo; e, se fosse sublime, sabê-lo por experiência, e ser capaz de explicar tudo isso na próxima digressão. Porque me parece que muitos homens estão terrivelmente incertos, sem saber se a vida é obra de Deus ou do demônio, e têm concluído com certa sofreguidão que a finalidade principal do homem aqui na terra é "dar glória a Deus e gozá-lo por toda a eternidade."
No fragmento acima, o autor defende a ideia de viver a vida de uma forma mais natural, em meio à natureza, longe dos governos e da sociedade de consumo, onde as pessoas poderiam ser quem elas realmente são, sem máscaras. Em síntese, é a mesma abordagem que os dois filmes citados defendem.
Enfim, encerro com a bela música de Eddie Vedder, Society, escrita para o filme Na natureza selvagem, que define bem o clima da produção:
OBS: Tanto a Desobediência civil como Walden são obras de domínio público e podem ser acessadas livremente pela internet.
Autora:
Nandi Diadorim. Historiadora e professora na rede municipal de ensino no Rio Grande do Sul. Guitarrista em uma banda de punk rock. Cachorreira, gateira, vegetariana, feminista...em suma, a incomodação em pessoa.
Revisão textual: Valéria O´Fern
Artigo
de Nandi Diadorim em colaboração com o blog Moda de Subculturas. É permitido citar o texto e linkar a postagem. É proibida a
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