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17 de junho de 2015

As Sufragistas e a Moda como ferramenta política

No post anterior, falamos sobre a “Moda Alternativa” usada por mulheres que rompiam padrões sociais no século XIX. E tanto essas mulheres quanto a roupa que elas usavam foram precursoras do que viria a ser um novo comportamento feminino frente à sociedade no século seguinte. O acesso ao trabalho quanto a educação deram à elas a necessidade de se sentirem representadas politicamente e o voto era o meio delas conseguirem essa representação. Uma luta que se travou por quase um século, através de movimentos feministas que foram, no fim do século XIX, chamados de Movimento das Sufragistas.


Tem sido dito que a forma como você se veste diz muito sobre o que você acredita. Os exemplos a seguir mostram a Moda como poderosa ferramenta política que interage com questões importantes da sociedade.


As Sufragistas

A luta pela igualdade de direitos entre homens e mulheres sempre existiu, pelo menos desde a antiguidade clássica. Mas as mulheres sempre foram de alguma forma caladas, queimadas ou decapitadas. No começo do século XIX, à medida que mais mulheres eram alfabetizadas e frequentavam universidades, passaram querer intervir na esfera pública.

A lei dizia que "pessoas do sexo masculino" podiam votar, o que excluía mulheres de sua cidadania. Muitas delas já tinham cursos superiores e a educação as fazia conscientes de um desejo de lutar por seus direitos políticos e sociais, assim, em 1848, foi criado em Nova Iorque o National Woman Suffrage Association (NWSA), primeiro movimento feminista organizado pelo direito ao voto feminino. A consciência "feminista" sobre cidadania política plena para as mulheres, tinha uma de suas raízes na Reivindicação dos Direitos da Mulher, de Mary Wollstonecraft, publicado em 1792. 



Os homens que eram contra o direito da mulher ao voto, diziam que o lugar delas era em casa, que elas eram ignorantes e não saberiam votar ou que a presença delas no parlamento seria a ruína da nação, já que elas não eram capazes de entender sobre política.
Em 1906, o jornal Daily Mail, cunha o termo “suffragette” como uma maneira depreciativa de descrever as mulheres mais militantes.

Como citamos no
post anterior, as mulheres queriam o direito de usar calças, tinham o desejo de trabalhar fora, e a ideia masculina de que feministas eram mulheres feias ou solteironas, são observados nos cartoons abaixo, como uma forma de zombar das Sufragistas.

"Ninguém me ama, acho que serei uma suffragette" - a garotinha veste calças.
"O lugar da mulher é na casa dela" - aponta um rapaz à garota.
"Origem e desenvolvimento de uma Suffragette. Aos 15 uma mimadinha; aos 20 uma coquete; aos 40 ainda não se casou! E aos 50, uma suffragette."

Male tears já existiam na virada do século passado...

"O que eu faria com as sufragistas" - uma mulher presa na cadeira
"A mulher masculina" - critica a moda alternativa da época, que era o uso de camisa e paletó.
A sufragista no palanque é desenhada como uma mulher muito feia.
Abaixo, um homem se torna "mãe"; "Todo mundo trabalha menos a mãe: ela é uma suffragette. Quero votar mas minha esposa não deixa." e por fim, um cartoon escrito: "Dia da eleição" - a mulher sai de casa e o homem cuida de duas crianças ao mesmo tempo.

Sufragistas nas ruas panfletando ou fazendo campanha pelo voto feminino, elas acreditavam que a política precisava levar em conta os direitos das mulheres na sociedade.

A Moda como ferramenta política
Durante todo o século XIX, as feministas lutaram por roupas mais práticas, leves e funcionais. Por terem ousado vestir calças, eram agredidas na rua, chamadas de lésbicas e feias. Mas chegou um ponto que a geração feminista seguinte percebeu que eram julgadas demais pelo visual. Assim, resolveram mudar as regras do jogo: iriam vestir roupas elegantes justamente pra chocar e mostrar que elas não eram nada do que eles diziam e eram sim, também, mulheres muito bem vestidas!

Cansadas de não serem levadas à serio, as feministas dão um golpe (de estilo), passam a usar roupas elegantes pra bater de frente com os críticos que diziam que elas eram mulheres feias e mal vestidas.



Mas a roupa delas não era como a roupa das outras mulheres, elas fizeram escolhas deliberadas. A frase/slogan “Give Women Votes” (dê às mulheres o voto), foi a referência. Elas usaram as iniciais da frase associadas com cores: G (green), W (white) e V (violet). Assim, verde, branco e violeta seriam as cores da luta!

Roxo além de uma cor real, “o sangue real que corre nas veias de cada sufragista” era liberdade e dignidade; branco era a pureza na vida privada e pública; e verde, a esperança.

Usavam broches com estas cores ou jóias com pedras preciosas como ametista, pedra da lua ou esmeralda. A faixa que elas ostentavam no corpo também era tricolor. Assim, uma mulher reconhecia a outra na rua como parceira quando ambas ostentassem acessórios nos tons especificados.
As cores escuras nos trajes, quando usados, era pra simbolizar a sua seriedade de seus propósitos.


Exemplos de broches e jóias com as cores da luta pelo sufrágio.

Lojas de departamentos
Com seus trajes “alternativos” de luta, que identificavam umas às outras na rua, as sufragistas precisavam de um lugar para conversar sobre feminismo e debater suas ideias sobre seus direitos políticos. É aqui que entram as lojas de departamento.

Gordon Selfridge, proprietário da Selfridges, fundou sua loja em 1909 quando o movimento sufragista estava se tornando sucesso em Londres e o metrô trazia senhoras respeitáveis à cidade. Fazer compras era uma das poucas atividades que as mulheres podiam fazer fora de casa, percebendo isso, Selfridges abriu um café no topo do prédio da loja e instalou banheiros. Assim, as mulheres podiam passar o dia reunidas lá, conversando (e comprando).

O Sr. Selfridge era um importante apoiador do movimento feminista. Ele sabia que mulheres independentes seriam suas melhores clientes! As sufragistas se reuniam na loja e esta oferecia à elas as roupas necessárias para luta. Tudo a preços moderados.


Anúncios: "Selfridges apóia as Suffragettes". No texto é dito que já está à venda "o mais poderoso símbolo da emancipação feminina: o batom vermelho!" Ops!! Tá explicado porque muita gente se sente insegura ou se incomoda quando usamos essa cor de batom, era rebelde demais!  ;D
À direita: "Itens interessantes de várias sessões e algumas nas Cores do Movimento."


O ano de 1912 foi o momento de virada para as Sufragistas britânicas: elas adotaram práticas mais violentas como se acorrentarem em grades, quebrarem vidraças de lojas que não apoiavam a causa, colocarem fogo em caixas de correio e até mesmo detonar bombas. O governo as espionava. Muitas foram presas. Na cadeia, algumas chegaram a fazer greve de fome.

Clique para aumentar a imagem.

Organizadas por Alice Paul, em 1913, mais de 5 mil sufragistas marcharam em apoio ao voto feminino na capital americana. A marcha foi liderada por Inez Milholland Boissevain montada num cavalo branco. Grupos anti-feministas, irritados, tentaram perturbar o desfile em vários lugares.


Multidão hostil querendo parar o desfile. Mais de mil sufragistas foram hospitalizadas. Isso deu muita mídia e o governo precisou repensar a questão dos direitos femininos.


As marchas feministas continuaram mensalmente em cidades dos EUA e no Reino Unido nos anos seguintes.



Quando a Primeira Guerra Mundial estourou em 1914, o movimento do sufrágio diminuiu e a guerra acabou sendo uma grande oportunidade para que as mulheres assumissem empregos masculinos tradicionais nas mais diversas áreas.
Num protesto em 1918, Alice Paul foi presa, fez greve de fome e foi alimentada na cadeia de forma forçada com ovos enfiados pelo seu nariz até ela vomitar sangue. Ela foi colocada no sanatório e queriam declará-la como insana. Seu médico declarou: “Coragem nas mulheres é constantemente confundida com insanidade”.

Panfleto faz alusão ao que Alice Paul (à direita) passou na cadeia

Após esse acontecimento com Alice Paul, ao fim da guerra, ainda em 1918, as mulheres ganharam os mesmos direitos políticos que os homens na Inglaterra e as americanas conseguiram o direito em 1920.


As ousadas! 
Em 1916, uma sufragista americana usa calças super justas e saia com fenda num dos desfiles de protesto.


No mesmo ano, Lady Florence Norman, anda na sua scooter.

Mas é importante lembrar que, após mais de um século de luta para garantir direitos políticos, as Sufragistas também lutavam pelo direito ao divórcio, ao direito à educação e à ter empregos que eram “masculinos” como o exercício da Medicina e Direito. O voto é de importância vital para alcançar amplos direitos das mulheres na esfera social.


Devido à violência racial e de gênero, haviam muitos linchamentos de pessoas negras. Assim, sufragistas como Ida Wells-Barnett (à esquerda), eram uma das feministas que acreditava que o direito ao voto era uma forma de lutar por uma representação política dos negros.

Acho que podemos aprender muito com as sufragistas e quem sabe a partir de agora, olharmos o voto, a política com outros olhos, pois diz respeito também à nossa posição como mulheres na sociedade. A luta delas não foi à toa, afinal, abriram tantas portas para nós no século XX...


E você lê este post e se pergunta, por que esse assunto está num blog de moda alternativa? Pra nós a resposta é simples: somos mulheres e justamente por sermos alternativas, questionamos a sociedade. Essas mulheres do passado, como muitas subculturas, usaram as roupas como protesto político e como representação de suas ideologias. Seus trajes contrastavam com os trajes que eram a moda mainstream da época. Seus comportamentos desafiavam a forma que era esperada que uma mulher agisse.
E outra coisa importante também é que as mulheres em algumas subculturas e até mesmo na cena alternativa sempre precisaram "provar" serem capaz de estarem lá e ainda hoje são objetificadas e menosprezadas. Então, achamos super justos mostrar que muito do que conquistamos hoje partiu de mulheres que, em suas épocas, ousaram romper padrões sociais, pensar diferente do sistema e ir à luta sofrendo as consequências. Por que não usá-las como inspiração de persistência para as nossas lutas atuais?? 


Mais sobre:
Aqui no Brasil, ano passado, uma participante do evento alternativo histórico Picnic Vitoriano São Paulo, foi vestida de sufragista.

E para ver como as mulheres não são incentivadas a terem carreiras políticas e como são representadas na mídia, recomendamos o documentário Miss Representation (Falta de Representação)

Para saber sobre as sufragistas no Brasil, recomendo [este artigo].

Filme a ser lançado:
Sufragette. Com Carey Mulligan, Meryl Streep e Helena Bonham Carter.




No filme Histeria, a personagem de Maggie Gyllenhaal é uma feminista, dá pra notar bastante o contraste do comportamento dela com as outras personagens femininas da trama. Naquela época, pensavam que o desejo sexual e o orgasmo feminino eram uma doença chamada histeria e o filme conta a história da invenção do vibrador que era o "remédio" pra essa doença.

Em 2014, o filme Mary Poppins fez 50 anos! E não é que a mãe das crianças era uma suffragette? 



Falando em Mary Poppins, Lady Gaga fez uma homenagem ao filme no Oscar e existe até uma paródia de Bad Romance em versão sufragista que é uma referência à Alice Paul [letra].




Post imenso, pesquisa intensa, espero que tenham gostado e que se inspirem! ;D


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Artigo do Moda de Subculturas. Para usar trechos do texto como referência em seus sites ou trabalhos, linke o artigo do blog como respeito ao direito autoral do nosso trabalho. Tentamos trazer o máximo de informações inéditas em português para os leitores até a presente data da publicação. Fotos: Google, Pinterest. Todas as montagens de imagens foram feitas por nós

Comentários via Facebook

10 comentários:

  1. Os artigos/posts daqui são sempre tão bons, que mesmo sendo, teoricamente, grandes, hora que a gente termina fica querendo ler mais.
    Muito bom mesmo!
    Acho incrível como a moda tem essa capacidade de chocar, de levantar questionamentos em relação a temas tão distintos. Como um simples "vestir diferente" levantar questionamentos sobre padrões de beleza e o lugar da mulher na sociedade.
    Só acho uma pena que nem todas as (os) alternativas (os) realmente questionem a sociedade. Pelo contrário, alguns só estão trazendo os mesmos preconceitos e a mesma acomodação para o meio alternativo. E ta cada dia pior. Que bom que existem blogs como esse aqui pra tentar ajudar essas pessoas a abrir os olhos.
    bjin

    http://monevenzel.blogspot.com.br/

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    1. Mone, muito obrigada! ♥
      Mas é difícil contar a história de algo num post curto né? O desafio maior é prender a atenção das pessoas, quem não gosta de ler que nos perdoem haha!

      A Moda é muito poderosa, nem todo mundo tem a noção disso pois tende a se prender no lado futil dela. Mas é preciso enxergar além do que mostra a superfície ;)

      Mas se não questionam não são alternativos né Mone? Ou então, estão tão fracos a ponto de estarem sendo engolidos pelo sistema... Ao menos eu acho.... o alternativo (na questão comportamental) tem uma inquietância que questiona naturalmente. ;)

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    2. Verdade!
      Mas acho que quem não gosta de ler, nem deveria passear pela blogosfera. O que a pessoa pretende achar de bom sem um pouco de leitura, não é!?

      Verdade! Enxergar além das aparências é o que falta a maioria das pessoas.

      Sim! Eu também acho isso. Mas isso que falei são dos ditos alternativos, que acham que é só colocar uma roupa e/ou maquiagem trevosa e pronto, já é alternativo. Mas continuam reproduzindo o pensamento da massa... Meu pensamento de o que é ser alternativo vai muito além da aparência..

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  2. Post perfeito Sana!Mais uma vez nos brindando com informação e conhecimento....A luta da mulher na sociedade ainda tem muitas batalhas para serem vencidas,mas graças à essas mulheres do passado que pavimentaram o caminho dessa guerra contra a opressão,que nós atualmente podemos votar,trabalhar,cursar uma faculdade por exemplo...fomos libertas de muitos grilhões que nos prendiam à uma vida de escravidão.....

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    1. Obrigada Sara!! ♥
      Com certeza elas abriram muuuuuuitas portas para que os assuntos fossem mais debatidos na sociedade. Infelizmente o mundo é uma coisa complexa e algumas épocas tudo que se conquistou ficou abafado ou estagnado... mas o bom é que hoje as pessoas parecem estar se interessando novamente em continuar essas batalhas! ;)
      Bjs!

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  3. Post muito bom! é interessante mostrar a história do feminismo e sua repercussão na sociedade e também na moda. Como exemplo também temos as várias mulheres da década de 20 que chocaram a sociedade com os vestidos na altura do tornozelo (antes nem um pouco da perna podia ficar para fora) e cabelos bem curtos e também na década de 60. Parabéns a elas que quebraram vários tabus , não só na moda, mas na sociedade.
    Bjs

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    1. Melissa, o voto nos EUA foi conseguido no ano de 1920. Muitas das meninas da década de 1920 eram filhas das sufragistas. Acho que isso explica uma parte da ousadia da década de 20 né? Outros fatores explicam o resto. ;)
      Nós temos alguns posts aqui no blog falando das moças de 20 e de 60, inclusive como a moda de ambos os períodos é usada na moda alternativa.

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  4. Amei, encontrei tudo que não conseguir achar!

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  5. Muito bom o artigo. Vou participar amanhã de um debate sobre o filme das Sufragistas, e levarei esta perspectiva da luta pela moda, não tinha pensado sobre este ponto. Bem elaborada a argumentação e a perspectiva, parabéns.

    Keyla Moreira
    14/03/2018

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  6. Excelente! Amei do inicio ao fim!!! Topissimo!

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