Heitor Werneck diz: "Sou costureiro, não estilista".
O início de Werneck não foi diferente ao de Herchcovitch. Ambos desenhavam roupas para travestis. Uma diferença, porém, levou a carreira do estilista para outro rumo: nada do que ele cria tem par. Até hoje, todas as peças são exclusivas. “Pouco me importa se o preto está na moda. Eu faço o que eu gosto. O que eu quero vestir.”
Como todo punk, ele costurava para si mesmo e para uma clientela eclética como artistas, pessoas alternativas e ex-radicais do movimento punk. Entre 84 e 85 trabalhou com Vivienne Westwood.
Então, na década de 90 decide criar sua marca, a Escola de Divinos, que a cada duas semanas houvesse peças novas. "Sempre tive público da noite, alternativos ou de teatro, nunca segui tendências, faço o quero, do jeito que quero, na hora que quero. Podia fazer 300 camisetas, mas uma era estampada de um jeito diferente da outra". Heitor também fazia vestido de noivas: "Acho as noivas atuais cada vez mais sem criatividade. É uma fantasia, mas elas sempre caem no tradicional. Você pode casar como você quiser, o que acontece é que você tem que avisar o padre para ele não se chocar com você. Tem um casamento que eu fiz a noiva e o noivo estavam diferentes e o padre nem falava o sermão direito."
A Escola de Divinos era referência no cenário underground dos anos 90. Heitor também participava de um grande evento da moda alternativa da época, o Mercado Mundo Mix, que depois de algumas edições perdeu sua essência. Também foi responsável pelo Pulgueiro, um evento que unia moda alternativa, tatuagens, modificações corporais e arte de rua. Em 2001, abriu a loja Fuck the Faxion, na Galeria Ouro Fino pra vender suas peças. Um dos principais clientes era o Supla, que no mesmo ano se tornou popularmente conhecido no país por participar de um reality show no SBT, o que fez com que a loja ganhasse um novo público: adolescentes interessados nas roupas iguais do cantor. "Como Supla não se cansa de dizer, não depende de onde você vem, o que tem ou o que veste, mas o que você é", diz Heitor.
Heitor faz também figurinos de novelas da Globo desde 1998 e foi essa sua entrada na mídia mainstream provocou o desprezo dos antigos conhecidos punks. “Aos que me criticam perguntando que punk é esse que aparece na Globo? Eu critico questionando que punk é esse que assiste à Globo?”. "Me dei conta de que o dinheiro é necessário. Vivo num mundo capitalista! Punk que não ganha dinheiro troca coisas para sobreviver, ou seja, também estabelece uma relação mercantilista." Mas Heitor garante: "Não tenho interesse em me tornar popular", diz.
A Fuck the Faxion fechou em 2002, quando Heitor teve câncer e se ausentou dos negócios pra se tratar. Eu cheguei a ir na loja algumas vezes e lembro da cara de poucos amigos de uma atendente punkzinha. A loja vendia calças de boca inglesa bem antes da moda que está agora. Boca inglesa são aquelas calças justas no tornozelo para serem usadas com o coturno, cheias de zíperes, xadrezes, também vendia kilts e muitos acessórios em couro com tachas e spikes.
Mas a pressão dos amigos e clientes fez ele reabrir a marca Escola de Divinos neste ano. Heitor resolveu fazer um apanhado geral de suas criações mais requisitadas e renová-las com outros tecidos para compor a coleção que marcou a volta da marca. A loja atual tem espaço para roupas sociais, malharia e pode até vir a vender jeans no inverno - tecido que Werneck detesta: "Acho esquisito calça jeans e camiseta. Acho jeans ridículo, é uniforme padrão, eu fico contando quantas pessoas estão de jeans na rua. Eu acho que uma busca do diferente nunca resulta num igual. Todo mundo busca algo diferente do outro. O que não dá é ver todo mundo de jeans e se achando com atitude né?"
A loja é como um cabaré antigo, tem decoração e mobiliário fetichista, joalheria, maquiagem, perfumes, um estúdio de perfuração e tatuagem, um ambiente especial para crossdressers. As peças são alternativas na forma, nas estampas e materiais como couro, látex e vinil, a maioria das peças são únicas. Há uma linha de roupas infantis e para bebês, com estampas de morcego, ratos, teias, oncinha, camuflado, rockabilly e até fraldas em vinil colorido que ele desenvolveu junto à médicos, tudo lembrando o fetiche: "Fiz uma estampa de uma bebê dominatrix com a palavra Rainha para dizer que o bebê se torna a rainha do lar", tudo inspirado pelos seus amigos que são pais alternativos.
Também vende coturnos importados da Argentina, de Nova Iorque... "Eu continuo costurando e todas as peças passam por mim ou são cortadas, costuradas ou estampadas por mim. Faço e adoro fazer sob medida. Eu pretendo manter o mesmo público que sempre tive: adolescentes, pessoas ligadas a moda, noite, povo do rock n roll e pessoas antenadas com a Escola de Divinos, artistas, formadores de opinião, publicitários". "Aos que acham que virei capitalista, tô velho, dou emprego para 17 famílias e sustento minha casa, mas muita gente não entende isto."
Há quatro anos, ele cuida da festa Luxúria, com Dress Code fetichista obrigatório, "para as pessoas se vestirem, se produzirem, não usarem drogas e se soltarem sexualmente. "As pessoas vão lindas e produzidas na festa". "A estética punk é formada no BDSM. Eu sempre frequentei e fiz festas fetichistas, quando fiquei doente a dona do Torture Garden que é minha amiga, também teve câncer. Ela falou, vai lá e faz tua festa, se divirta no tratamento e realmente isto me inspirou e não é que tá dando certo? Eu queria fazer algo igual ao Torture Garden mesmo, um label, um lugar que o visu fosse o maior critério. Quando vi que nenhum lugar fazia isto, fui lá e fiz. Hoje em dia já tem até cópia da minha festa, até o nome copiam. Acho um saco, já tive roupa, tatuagem, projeto copiados e agora a festa! Uma festa de total dress code e que não aceita jeans de forma alguma. É uma festa de exibicionismo e voyeurismo, a conotação sexual dela está na vestimenta, é uma festa muito singular e não fica devendo nada para festas gringas. O Luxúria completou quatro anos em agosto deste ano e deve entrar numa fase nova."
"Acho que o Brasil tem um mercado de trabalho incrível e acho que temos super profissionais legais aqui. O trampo das rendeiras do Nordeste, o bilro, o macramê, a colcheteria, o patchwork mineiro. Tivemos Zuzu Angel, Denner e um monte de gente do caralho. Acho um saco copiarmos tendências gringas, aliás, acho um saco isto, a cópia e o uso de jeans. Todo mundo com roupa igual parece uniforme, falta de estética e dizem que estão na moda? O que acho divertido da moda é que é um império e como todo império, pode-se abalá-lo. Eu sou costureiro mesmo, só tô num bairro mais caro, mas faço o mesmo processo, compro o tecido, tiro medida, corto o tecido, costuro, vendo, atendo o cliente com linha na boca e olheira por ter varado a noite, levo cheque sem fundo e tenho que correr no banco para cobrir conta. Adoro o Lino Villaventura. Sempre disse que ele é como eu, só que alta-costura. É lindo, verdadeiro e sem cópia. Também gosto muito do Walério Araújo. Fico triste quando ando pela Ouro Fino e vejo as marcas apelando cada vez mais pra “Coréia”, pro que vem pronto. O Walério e o Lino fazem mesmo, bordam. São nordestinos, eu adoro o Nordeste. Acho o brasileiro copista, não valoriza o que é dele, segue tendência e calendário internacional!"
Heitor ainda tem muitos planos: quer voltar com o Pulgueiro, abrir um cabaret e lançar uma revista, "uma “Vogue do underground”. Mostrar moda de rua, gente da noite de São Paulo, o que rola no porão, mesmo”.
Escola de Divinos
A loja fica aberta do meio-dia até às 22hs.
Nossa, eu vi essa entrevista que ele deu no multishow, acho que vi ele também em algum programa do fashion tv, acho que tava falando de moda punk, mas não sabia da grife e loja dele.
ResponderExcluirFiquei com vontade de conhecer!
Muito legal!
Beijos
O Heitor é uma pessoa singular.
ResponderExcluirNão há ninguém parecido, nem que tente copiá-lo.
Eu o conheço a anos... desde minha adolescência lá pelos 14 anos.
Foi uma referência, me encantei, me descobri melhor após conhecê-lo.
Tudo que ele faz tem dua dedicação, seus pensamentos, sua paixão. E hoje o que mais falta é isto: paixão pelo que se faz.
Ter uma peça dele é sentir-se amado.
Toda vez que eu abro o armário e pego algo da "Escola" , me sinto feliz e livre.
Livre pra ser quem eu sou, vestindo algo único que muitas vezes foi criado apenas para me vestir.
Tudo que eu escrever sobre o Heitor será pouco para dizer sobre ele.
Mas do que admirá-lo eu me inspiro nele.
Pra quem não o conhece, faça-o. É algo impagável.
Parabéns pela "matéria" sobre ele!!!
Beijos
Nossa, não conhecia.
ResponderExcluirEu achava q Alexandre Herchcovitch, Marcelo Sommer eram mais 'alternativos'.
Cada vez que eu entro no blog, descubro algo novo, é fantástico! Espalho pra todo mundo que tbm tem interesse vc faz um ótimo trabalho (;
Beijos
ele e mais outros deve retornar com urgência, a moda na cultura da musica eletrônica esta muito caída e estão todos uniformizados sem estilo algum.
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